Artur Luiz Andrade   |   09/11/2015 13:49

Gerstner: “culpa de quebras é dos donos das empresas”

O empresário Rodolpho Gerstner, proprietário da RCA Turismo, que tem 22 anos de mercado, comentou, por e-mail, com clientes e parceiros, a situação atual do mercado em meio à crise e quebra de algumas empresas. Aqui ele fala sobre falências, crise e o papel da Braztoa

O empresário Rodolpho Gerstner, proprietário da RCA Turismo, que tem 22 anos de mercado, comentou, por e-mail, com clientes e parceiros, a situação atual do mercado em meio à crise e quebra de algumas empresas. Gerstner usou como referência o blog Sem Reserva, do editor-chefe da PANROTAS, Artur Luiz Andrade, em que este lamentava o fechamento da Designer e de outras empresas, sem deixar de afirmar que cada um tivesse a responsabilidade sobre os prejuízos causados ao mercado – de funcionários a clientes, de agentes de viagens a fornecedores.

A pedido de Artur Luiz Andrade, Rodolpho Gerstner aceitou conceder essa entrevista por escrito ao Portal PANROTAS. “O empresário percebe se o negócio é viável ou não. Não é justo nem correto levar a empresa até a quebra por não tomar a decisão certa antes da catástrofe. A responsabilidade é sim dos titulares das empresas”, diz o dono da RCA. Ele fala ainda sobre o papel das entidades, como reconhecer empresas “saudáveis” no mercado, como se precaver e ainda de como as vendas estão se comportando.

Leia a entrevista na íntegra:

PORTAL PANROTAS — O senhor escreveu um artigo falando sobre as quebras de operadoras. A culpa é mesmo apenas do empresário ou há circunstâncias que levam às falências, já que falamos de empresas com 30, 50 anos de atividades?
RODOLPHO GERSTNER — Não escrevi um artigo. Escrevi um e-mail comentando seu post (no blog Sem Reserva) e direcionei a alguns clientes mais próximos, assim como fornecedores. E reconfirmo: a responsabilidade é 100% dos donos das empresas. Os fatores que levam às dificuldades são vários, como crise, câmbio, carga de impostos, juros altos etc. Mas o empresário percebe se o negócio é viável ou não. Não é justo nem correto levar a empresa até a quebra por não tomar a decisão certa antes da catástrofe. A responsabilidade é sim dos titulares das empresas.

PP — Essas quebras estão afetando a imagem do segmento de operadoras? Os agentes ficam mais desconfiados e podem buscar a operação direta ou empresas mais sólidas?
GERSTNER — O agente de viagens vive uma incógnita e precisa orientar-se sobre em quem pode confiar. As empresas sólidas têm relações e selos de qualidade reconhecidos mundialmente. É fácil identificar. Outro aspecto é observar se uma determinada empresa oferece preços, condições comerciais, tarifárias e cambiais muito vantajosas que nenhuma outra pode oferecer. Como diziam os antigos, onde há fumaça há fogo. E o fogo é comprar um produto que vale 100 por 50. Não há milagres em nosso segmento. As quebras e as falências são negativas para o mercado, sem dúvida.

PP — O que acha do seguro lançado pela Braztoa? A RCA vai aderir?
GERSTNER — A iniciativa de se criar um seguro nos moldes que a Braztoa buscou com a Ifaseg é positiva. A RCA apresentou a documentação solicitada pela seguradora e vai aderir a este seguro ou a outro similar. O que for mais conveniente em coberturas e preços. Mas o maior seguro que a RCA pode oferecer aos seus clientes são os vínculos estreitíssimos que mantemos com as duas maiores companhias de entretenimento mundial, a Universal e a Disney. Além de outros parceiros importantes. No quesito seguros, a RCA apresentou 12 cartas de adimplência à seguradora, quando a exigência era de três. E vamos oferecer ainda uma carta de fiança de R$ 2 milhões. Estamos 100% de acordo à política implementada.

PP — Muitos operadores ajudaram ou tentaram ajudar algumas das empresas que fecharam. Ou seja, ao menos os operadores sabiam previamente da situação. Acha que a Braztoa, como entidade, deveria tomar alguma providência nesses casos? Como suspender quem está com problemas, acompanhar de perto a saúde financeira dos associados? Ou não é papel de uma entidade?
GERSTNER — Quando fui vice-presidente da Braztoa (ocupei o cargo por seis anos), entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, sob a presidência de Ilya Hirsch (ou seja nos primeiros quatro anos), convidamos algumas empresas que estavam para quebrar para que se retirassem da entidade (isso foi possível porque estavam inadimplentes com a própria associação). É verdade que a associação teve de enfrentar muita cara feia e até ameaças de processos por estas iniciativas. Mas faz parte do jogo. Se você quer ser político, tem de assumir suas responsabilidades e dar a cara a tapa. Não é fácil, até porque a legislação permite muitas interpretações nestes quesitos. Além do que, infelizmente, estelionatário não vai preso neste País. Quando percebi que fazer parte do quadro diretivo tomava tempo demasiado, resolvi dedicar-me 100% a minha empresa. Não tenho interesse em benefícios do poder, nem tenho apreço por status e por fotografias. Sou apaixonado pelo meu negócio. Pela RCA. É como um filho. Quanto à ajuda às outras operadoras, posso falar pela RCA. Nunca ajudamos o responsável pelo problema e sim as suas vítimas, os agentes de viagens e seus clientes. Sempre que possível oferecemos no passado e continuamos oferecendo condições de preços netos para minimizar o impacto sobre os prejuízos que os agentes de viagens experimentaram nestas situações nos últimos 20 anos.

PP — Essa crise é geral em todo o País, mas podemos dizer que atinge mais quem vende internacional ou depende desse mercado?
GERSTNER — A crise é geral e atinge a todos. Mas não adianta ficar reclamando da crise. É necessário continuar trabalhando, criando novas ferramentas e produtos para incrementar as próprias vendas. Temos de nos profissionalizar e fazer com que nosso parceiro comercial e nossos colaboradores sejam os mais qualificados do mercado. Só conhecimento, capacitação e profissionalismo salvam nossa atividade. Outra coisa importante é credibilidade. Uma empresa não pode ceder à tentação de comissionar acima do bom senso, de praticar preços inviáveis comercialmente, de oferecer crédito sem lastro. Tomar dinheiro em banco é suicídio e homicídio em nosso ramo. Não temos margens para isso. Operar e vender com responsabilidade, acima de tudo com seus clientes e com o seu caixa. Temos de fazer o máximo para o negócio ser viável. Se não for possível, ter a honradez de agir como agiu nosso amigo Roberto Sanovicz, que encerrou as atividades mas não deixou um cliente sequer na mão. Isso é profissionalismo. Isso é deixar portas abertas. Isso é respeito.

PP — A RCA vende muito EUA. Como foi afetada pela crise? As promoções aéreas têm levado os agentes e consumidores a comprar aéreo fora das operadoras? Direto nos sites, por exemplo? Fala-se que as tarifas-operadora são bem mais altas que as promoções por conta da crise.
GERSTNER — A RCA é uma das líderes em vendas para os Estados Unidos, notadamente para os parques temáticos, resorts e navios de grandes marcas como Disney Destinations, Universal, Sea World, Cirque du Soleil, Broadway, Kennedy Space Center, Legoland e afins. A venda de bilhetes aéreos, sim, foi reduzida. Adaptamo-nos à situação renegociando novas condições comerciais com as principais companhias aéreas, podendo vender os preços de sistema e comissionando as agências em 7%. Com isto o preço que o cliente encontra num site de uma companhia aérea, ele encontra na RCA com produtos que os agentes de viagens oferecem de nosso portfólio. No que diz respeito a serviços terrestres e experiências, incrementamos nossas vendas, apesar da crise. Neste ano, comparando-se o período de janeiro a outubro (embarques e/ou utilização dos serviços), estamos com um crescimento de 14,98%. O que não quer dizer que a rentabilidade aumentou. Ao contrário. Mas estamos com equilíbrio e recursos para continuar crescendo e investindo em profissionalização e automação. A criatividade nos preserva nestes anos de vacas magras. E há mais uma coisa, o dinheiro ganho com as vacas gordas deve suportar os anos de vacas magras. É assim deste que o mundo é mundo.

PP — Como estimular o brasileiro a viajar para fora do País nesse momento? Acredita que a crise será duradoura?
GERSTNER — Todos falam que o dólar está nas alturas. O que é verdade se compararmos com os últimos dez anos. Mas, na verdade o que tínhamos era uma cotação muito distorcida do real. Hoje os preços são mais reais, mas próximos das médias históricas. Entretanto, há muitas promoções para viagens ao Exterior, tanto com os preços de bilhetes aéreos, como de hotelaria, experiências, shows, ingressos, planos de alimentos e outros tantos itens. O Brasil ainda é muito caro e, guardadas algumas exceções, o produto Brasil continua dispendioso. O que faz com que o consumidor deixe de viajar não é a cotação em R$ 4. Mas a instabilidade da cotação (o que parece ter diminuído muito, e isso é bom). Mas principalmente a crise política que afeta o País, gerando desconfiança sobre o futuro e paralisia no presente. Esperemos que os atores dos Três Poderes tenham bom senso e visem ao bem do País e não apenas sua sobrevida com esta desmedida luta para manter o poder pelo poder.

PP — Essa mesma crise (de viagens internacionais) já ocorreu antes, como na virada do milênio e 2001, inclusive com quebra de ícones como a Soletur e Stella Barros. O mercado não aprende ou isso é cíclico mesmo?
GERSTNER — Acredito que há muita arrogância e despreparo na gestão de muitas empresas. Há gente que se preocupa muito mais com o que o concorrente está fazendo do que com o próprio negócio. Isso faz com que alguns adotem políticas que não podem e não têm cacife para bancar. Aí entram no rolo compressor de dívidas, juros e quando há queda de vendas a bicicleta para de rodar. Uma empresa tem de estar atenta aos movimentos do mercado, às tendências, às novidades, inclusive dos concorrentes. Mas para adotar qualquer política tem de se perguntar a si mesmas: estou preparada para isto? Tenho capital para isto? Isto é rentável? Nós na RCA, por exemplo, assistimos neste momento empresas parcelar em até 15 vezes sem juros produtos em que o comissionamento para o operador é de 12,5% a 15%. Como isso é possível? A RCA pode adotar essa política? Pode oferecer esta condição? Não. Não pode. A inflação anualizada no Brasil está em 10%. O câmbio é volátil. Como perder 15% em um financiamento (por conta da inflação anualizada) se ganho 12% e ainda há a flutuação do dólar? As contas não batem. Mesmo fazendo hedge, não dá lucro. Dá prejuízo. Portanto, a RCA vende para ter resultado positivo. Por menor que seja. Mas tem de ficar no azul sempre. Não compramos mercado. Não fazemos milagres. O agente de viagens deve pensar, fazer contas. Milagre demais o santo desconfia.

PP — Acha que o papel da operadora está mudando na cadeia turística?
GERSTNER — Sim. No passado as operadoras eram atacadistas. Hoje há outros atacadistas. Há mais competição. Precisamos nos reinventar. Oferecer “experiências” aos consumidores. Querer sobreviver vendendo bilhete aéreo e noite de hotel é destinação à morte.

PP — O senhor afirma, em seu e-mail, que a RCA é considerada inflexível, não dá comissão a mais... Ao mesmo tempo parcela em dez vezes. Como o senhor vê o negócio da operadora com margens reduzidas, pressão por parcelamento, comissionamento dos agentes? Algumas operadoras já aplicam comissões menores para alguns produtos. É o caminho?
GERSTNER — A RCA oferece parcelamento elástico em tudo onde ela pode se autofinanciar para poder competir com os maiores players do mercado. Onde ela não pode, não oferece. Cada operação, cada venda tem de dar resultado positivo. Se algum dia a RCA não puder oferecer os planos de financiamento que oferece, posso garantir: não vai tomar dinheiro em banco para continuar oferecendo. Há produtos que vendemos em dez, nove, seis, cinco, quatro vezes sem juros. Gostaríamos de vender a juros baixos e defendo esse ponto de vista. Pena que muito de meus pares dentro da associação (Braztoa) inclusive não compactuam com esse ponto de vista. Os pequenos sim, mas os grandes não. Quanto ao comissionamento pagamos 12% em pacotes, 10% em alguns ingressos e espetáculos, 5% em outros ingressos e cruzeiros, notadamente da Disney. Sempre com preços similares ou mais baratos àqueles expressos nos sites de todos os parceiros envolvidos, inclusive aqueles que têm venda direta.

PP — O senhor diz também que há outras empresas na iminência de quebrar. Isso não aumenta o medo e a falta de confiança dos agentes?
GERSTNER — Não tenho a menor dúvida disto. E acho que os agentes de viagens têm o dever para consigo mesmos e seus clientes de observar os sinais de fumaça do mercado. Não é minha responsabilidade tapar o sol com a peneira, ao contrário. Quero colaborar com a transparência do mercado. Mas posso responder pela RCA. Isso eu faço e com argumentos e segurança.

PP — Nesse momento, o que mais está vendendo na RCA e quais seus planos para 2016?
GERSTNER — Nossas vendas para os Estados Unidos, como você mesmo disse, são as mais importantes. Estamos aproveitando as ofertas das companhias aéreas e oferecendo serviços, experiências, shows, ingressos para serem acoplados a estes bilhetes. Há muita oferta de hotelaria, entretenimento e planos de alimentos. Com nosso conhecimento, ajudamos o agente de viagens a vender mais e melhor. Temos nos saído bem. 14,98% de crescimento, num ano como este é bastante razoável. Para 2016 pretendemos continuar com nosso movimento de oferecer mais produtos com muita competitividade e qualidade. As vendas e operações para o Caribe, para o Cone Sul e para a Europa devem ter nossa atenção especial, assim como o Brasil. Mesmo com preços estratosféricos nos bons resorts. Vamos ampliar produtos para África, Ásia e Oceania. Afinal por que oferecer produtos de qualidade reconhecidos somente para os Estados Unidos? Somos capazes de oferecer o melhor para outros destinos igualmente importantes. Mas uma coisa quero deixar claro: nosso compromisso é com a qualidade, com preço justo e com credibilidade. Não vamos entrar em leilão de comissão, câmbio ou preços inexistentes. Temos 22 anos, 15 deles em parceria com as duas maiores empresas de entretenimento do mundo: a Universal e a Disney. São selos de garantia que poucos podem oferecer.

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