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Artur Luiz Andrade   |   04/08/2021 11:13   |   Atualizada em 04/08/2021 11:23

Empresas aéreas alertam para atuação irregular de law techs no setor

Empresas estariam oferecendo, de forma irregular, serviços jurídicos para viajantes contra as aéreas

Divulgação/Latam
O tema da crescente judicialização da relação do viajante aéreo com as empresas de aviação no Brasil vem em uma crescente da indústria, com alertas de todas as empresas e da Abear, que agora se juntaram e produziram um artigo, publicado pela associação no portal JOTA, em 30 de julho, alertando sobre a atuação de law techs, que investem em estimular os clientes a entrar na justiça pedindo indenizações, em casos que poderiam ser resolvidos diretamente com as aéreas. Muitas vezes as law techs acabam adiantando um valor menor a esses viajantes que tiveram disrupções em suas viagens, e passam a representar a ação, ficando com a totalidade dos ganhos ao final do processo.

Há poucos dias, segundo fontes do Portal PANROTAS, uma dessas law techs procurou agências de viagens associadas Abav oferecendo uma quantia em dinheiro para cada cliente indicado para entrar com ação contra uma aérea.

Para os advogados das aéreas e a Abear, essa prática deturpa a relação com os consumidores, impede a melhoria dos serviços e gera um custo que, ao final, é pago por todos. Além de ser irregular. Segundo dados do artigo, em 2014 foram registradas 33 mil ações contra as aéreas no País. Em 2018 esse número saltou para 64 mil e em 2019 foi ainda maior.

Matéria do jornal Valor Econômico, de 17 de maio, destacava que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) iniciava uma batalha contra startups de “assistência jurídica” a passageiros do setor aéreo. Segundo a reportagem, a OAB tem entrado com pedidos de liminar para suspender a atuação de startups que estariam, segundo o Conselho Federal da Ordem, exercendo a atividade jurídica de forma irregular. De acordo com a OAB também há propaganda irregular, já que não é permitido a advogados captar clientes com publicidade ou oferecer serviços como no caso das empresas aéreas.

Confira abaixo o artigo assinado por Bruno Bartijotto, diretor jurídico da Latam Airlines Brasil; Carla Coelho, diretora jurídica da Gol Linhas Aéreas; Juliana G. Quintas Rosenthal, sócia do escritório Rosenthal e Guarita Advogados e Patrícia Munhol, gerente jurídica da VoePass Linhas Aéreas.

ARTIGO

“A judicialização do setor aéreo: a turbulência do setor que voa no país mais litigioso do mundo

É de conhecimento geral que a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, mudou a forma como até então o cidadão comum se relacionava com o Direito. A Constituição, em seu artigo 5º, XXXV, assegurou que todo direito ou ameaça a direito será levada ao conhecimento do Poder Judiciário, que na hipótese de lesão a direito material ou moral, este deve ser indenizado (art. 5º, X) devendo, ainda, o Estado promover na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º., XXXII).

Assim, na década de 1990 foi editado o Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), que pouco a pouco foi transformando as relações entre o consumidor e o prestador ou fornecedor de produtos e/ou serviços. A nova cultura consumerista criou um consumidor mais atento e mais exigente de seus direitos. Em 1995, são criados os Juizados Especiais Cíveis (e Criminais) visando atender demandas de menor potencial econômico (de 20 a 40 salários-mínimos) que nasciam, em grande parte, a partir das novas demandas consumeristas.

O artigo 2º. enunciava o escopo do CDC: buscar, sempre que possível, a conciliação ou a transação. E para isso pensou-se em facilitar o acesso ao Judiciário através de uma Justiça Gratuita, célere e simples, na qual o próprio cidadão poderia reclamar seus direitos pessoalmente, sem a presença de um advogado.

Três décadas depois, os Juizados Especiais encontram-se abarrotados.

A facilitação do acesso ao Poder Judiciário através da Lei dos Juizados Especiais e os novos direitos assegurados pelo CDC alavancaram as demandas judiciais para o bem e para o mal. Isto porque, se de um lado assegura o acesso à Justiça, gratuita e eficiente, aprimora a qualidade dos serviços ofertados e oportuniza a criação de sistemas ou aplicativos de mensuração da satisfação do cliente; de outro, gerou uma avalanche de ações instigadas por uma visão deturpada da judicialização da relação de consumo, o que originou, inclusive, a expressão de “indústria da indenização”.

Observamos com frequência a multiplicação de ações judiciais, quando um ato realizado se desmembra em várias ações individuais, exemplo claro ocorrido na compra de bilhetes para uma família ou grupo, que posteriormente geram ações interpostas por cada membro ou integrante com único e exclusivo objetivo de obter indenizações maiores.

E essa indústria da indenização está, na atualidade, em toda parte, do setor de energia elétrica ao setor aéreo. Muitas vezes não se busca mais a solução do vício ou defeito do produto ou serviço, mas sim uma indenização por prejuízos que sequer foram experimentados.

Aliás, o setor aéreo, já castigado por esse largo período pandêmico, ainda se vê às voltas com milhares de ações instigadas por um conjunto de condutas que formam um verdadeiro desserviço à nação, pois sobrecarregam o Poder Judiciário e desvirtuam o sentido do CDC e da indenização ao passageiro.

A ideia tanto do Juizados Especiais quanto do CDC é atender e conciliar. Todavia, uma análise dos dados indica que, em aproximadamente 30% das ações, os clientes não buscaram os canais de atendimento da companhia, impedindo um solução amigável. Isto porque há hoje uma cultura às avessas, a cultura do litígio.

O surgimento das law techs, mais conhecidas como “aplicativos abutres”, que incentivam os passageiros a processar as companhias aéreas ou a vender os eventuais créditos futuros a preços irrisórios, fazendo, inclusive uma captação ativa, aumentou sensivelmente o número de processos nos últimos anos. E, ao contrário do que tentam fazer crer, não lhes interessa a composição, a solução de eventual controvérsia, mas sim, a propositura de ações para a busca de indenizações, indenizações essas que muitas vezes já foram antecipadas ao consumidor, através de uma cessão de crédito, mesmo sendo essa um Direito personalíssimo.

Trata-se de atuação ilegal e em desconformidade com o Estatuto da Advocacia e com o Código de Ética da OAB.

E mais, desvirtua todo o conjunto normativo criado para proteger a pessoa do consumidor lesado, e não a de terceiro que transforma a ação em negócio; impede a melhoria do serviço porque através da ação visa-se apenas ao dinheiro e não ao aprimoramento e satisfação com a prestação do serviço recebido.

O número de ações no Brasil propostas por passageiros contra companhias aéreas tem aumentado a cada ano. Em 2014, foram distribuídas 33 mil ações. Em 2015, esse número subiu para 37 mil, representando um aumento de 12% sobre o ano anterior. Em 2016, foram 39 mil (aumento de 9%); em 2017, passou para 42 mil (aumento de 8%); em 2018, os processos saltaram para 64 mil, representando um aumento de 52% sobre os números de 2017. Em 2019 houve um aumento ainda maior com relação ao ano anterior.
A ganância de poucos acaba por destruir o direito genuíno de muitos e vai na contramão do Código de Processo Civil de 2015 que estimula a desjudicialização do conflito, sugere a adoção de meios alternativos de resolução da lide pela mediação e pela conciliação (artigo 166), como amadurecimento das partes conflitantes e como forma das partes (efetivamente) interessadas criarem uma norma justa para ambas, e, quiçá, que também beneficiará a coletividade.

A conclusão a que se chega é a de que a maciça judicialização estimulada pelas chamadas “empresas abutres” só prejudica as relações de consumo. O consumidor desaparece e passa a ser substituído por um negociador; o prestador de serviços não tem a oportunidade de resgatar a relação rompida melhorando os serviços. Com isso, todos perdem, salvo o negociador. É uma deturpação do Direito vista apenas pela ótica do lucro.

No final da linha, o próprio passageiro e a sociedade como um todo acabam arcando com os custos da judicialização. Que no Brasil, assume proporções elevadíssimas, impedindo, inclusive, a entrada de empresas Low Cost.

Algumas medidas podem e devem ser tomadas, como forma de se restabelecer o equilíbrio das relações entre passageiros e empresas aéreas:

1 – A companhia aérea deve informar aos passageiros, de forma cada vez mais eficiente, os seus direitos e obrigações, fortalecendo os canais de atendimento e aumentando a fidelidade dos passageiros.
2 – Ocorrendo a quebra de serviço, o passageiro tem o direito de buscar a solução de seu caso diretamente com os canais de atendimento da empresa ou, subsidiariamente, os métodos adequados de solução de conflitos, como o site consumidor.gov ou a Mediação Digital do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, dando a oportunidade para que a empresa resolva o problema.
3 – Por fim, caso não seja possível solucionar amigavelmente o problema, o passageiro poderá buscar a solução de seu caso por meio do Poder Judiciário. Inclusive de forma gratuita, sem ter que ceder seu crédito a terceiros.

BRUNO BARTIJOTTO – Advogado, é diretor jurídico da Latam Airlines Brasil
CARLA COELHO – Advogada, é diretora jurídica da Gol Linhas Aéreas
JULIANA G. QUINTAS ROSENTHAL – Advogada, é sócia do escritório Rosenthal e Guarita Advogados
PATRÍCIA MUNHOL – Advogada, é gerente jurídica da VoePass Linhas Aéreas
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Divulgação/Latam


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