
Belmond Andean Explorer: uma viagem pelo trem leito de luxo no PeruReportagem especial para a PANROTAS
Embarcamos por três dias e duas noites em uma jornada pelos Andes peruanos
Todos a bordo. O grupo eclético, meio disperso em uma planície andina emoldurada por vulcões, reunia passageiros de países tão diferentes como Brasil e Finlândia. Com um objetivo comum: ver o Belmond Andean Explorer chegar serpenteando pelas montanhas da Cordilheiras do Andes e embarcar em uma viagem que justificasse o clichê “dos sonhos”. A manhã de outono terminava.
O trem leito de luxo havia partido da estação de Arequipa, no Sul do Peru, umas duas horas antes. Estávamos a 4.090 metros acima do nível do mar, em uma parada da linha férrea no meio do nada. Tão improvisada que nem nome tem. Mas a inusitada escala do Andean Explorer, em meio a contêineres, tinha um motivo específico.
Ali embarcam os passageiros que fazem a (ótima) escolha de iniciar a jornada andina no Belmond Las Casitas, a duas horas de carro da parada. Os vagões pintados em azul-marinho e branco se aproximam, contrastando com a paisagem seca em tons de amarelo. A temporada de chuvas acabou. De abril a novembro, é a melhor época para viajar no Andean Explorer.
O trem chega e, rapidamente, funcionários recolhem as bagagens, que vão direto para uma das 35 cabines duplas. Os passageiros são recebidos a bordo e encaminhados para o almoço em um dos dois vagões-restaurantes. Estamos prestes a começar a glamurosa aventura de três dias e duas noites no trem leito de luxo que percorre uma das ferrovias mais altas do planeta.
Dia 1
A curiosidade para conhecer a cabine é grande, mas a refeição vem primeiro. Os dois vagões-restaurantes ficam no final do trem. Com decoração clássica e elegante, que mistura madeira e couro, possuem detalhes de inspiração peruana. Os ambientes são ligeiramente diferentes, mas o menu é um só e o serviço tem início mais ou menos ao mesmo tempo para todos os passageiros.
A premiada cozinha peruana é um dos pontos altos do Belmond Andean Explorer. Comidas e bebidas conduzem a uma jornada, também, pelas cores e os sabores andinos. O menu valoriza ingredientes locais em pratos com apresentações contemporâneas. Para acompanhar, há uma enxuta seleção de bons vinhos brancos e tintos, peruanos, chilenos e argentinos, e digestivos nacionais. Tudo está incluído, assim como os drinques nos bares antes e depois das refeições.
Pães frescos, manteiga e um consommé de alho-poró com azeite temperado com ervas andinas abrem o almoço. Como prato principal, bochecha de porco acompanhada de ensopado de milho ou peixe do dia com purê de aipim. Para sobremesa, Pavlova de canela com sorvete de queijo e lúcuma, e café e trufas de chocolate peruano. O impecável pessoal de bordo faz o possível para acomodar restrições alimentares e paladares infantis. As refeições são servidas no mesmo horário para todos, mas cada mesa segue em sua própria cadência.

Encerrado o almoço, muda-se de ritmo para percorrer os vagões, com o balanço do trem em movimento, e conhecer a cabine. A bagagem já está à espera. O Andean Explorer abriga 35 cabines distribuídas em três categorias: nove com 5,5 metros quadrados e beliche; 17 com 7,5 metros quadrados e duas camas de solteiro; e outras nove com 13 metros quadrados e cama de casal. As de casal, além de mais espaçosas, são as mais concorridas. Reservar com antecedência é fundamental.

De dia, as camas individuais são transformadas em sofá ou poltrona, que dão ao ambiente um jeito de sala de estar. Todas as cabines são climatizadas, têm tomadas, banheiros compactos e funcionais com chuveiro de boa pressão e janela com vista panorâmica para as paisagens deslumbrantes que desfilam sem pressa. De intermináveis campos de milho a vulcões, alguns com picos nevados. Não há televisão nem wi-fi a bordo para os passageiros, mas sinais de celular, de diferentes operadoras, funcionam em boa parte do percurso da viagem.
No primeiro dia, o Andean Explorer faz duas paradas, na qual todos os passageiros podem desembarcar. A primeira, logo depois do almoço, é para uma caminhada de cerca de 15 minutos que leva às Cavernas de Sumbay. A cerca de 90 quilômetros ao norte de Arequipa e a 4.127 metros de altitude, as grutas têm pinturas rupestres que foram descobertas somente em 1968. Como em todos os passeios organizados pelo Andean Explorer, a visita guiada está incluída na tarifa do trem e os passageiros são acompanhados por um médico munido de oxigênio.
No início da noite, pouco antes do jantar, o trem para em Saracocha. Caminhar pelos trilhos no meio da noite gelada e admirar o incrível céu estrelado, com direito a Via Láctea, é daqueles momentos emocionantes que se quer guardar para sempre na memória. Passageiros vindos do Hemisfério Norte parecem especialmente comovidos com a oportunidade de observar tão claramente constelações como o Cruzeiro do Sul. E como fotos noturnas com celular nem sempre dão certo, um membro da tripulação está à disposição para ensinar a melhor maneira de ajustar a câmera do aparelho, seja iOS ou Android, de cada passageiro.



Com todos novamente a bordo, o piano-bar com música ao vivo é um dos pontos de encontro antes do jantar. O outro é o lounge do Observatório, no último vagão. Com um deque aberto, é o melhor lugar para contemplar cada curva. A carta de drinques reúne clássicos perfeitos, como o negroni feito com o gim peruano Boticario, e coquetéis autorais. Champagne Veuve Clicquot, marca parceira da Belmond, parte do conglomerado de luxo LVMH, é sempre boa opção. Os bares descontraídos convidam a puxar papo, um dos pontos altos do slow travel, com os outros viajantes, vindos de diferentes países, e a tripulação, peruana em sua maioria.
O jantar começa com truta curada, leite de castanhas e queijo andino, e continua com canelone de verduras e creme de batata, ou leitão com purê de maçã e salada verde. A sobremesa chega com pêssegos cozidos e sorvete de leite de cabra. O vinho é o tinto negra criolla Patrimonial, da Intipalka. No Vale do Ica, a vinícola tem uma linha de rótulos elaborados com uvas pisqueras, a negra criolla, a quebranta (rosé) e a torontel (branco).
Hora de encerrar o longo e lindo dia, e percorrer os vagões com nomes da flora e fauna local até encontrar a cabine transformada em um acolhedor e confortável quarto de dormir. Em algum momento no início da madrugada o trem chega a Puno, onde passa a noite.
Dia 2

Amanhece às margens do Titicaca, o lago navegável mais alto do mundo, na fronteira entre Peru e Bolívia. A superfície de águas azuis fica a pouco mais de 3,8 mil metros acima do nível do mar. Os passageiros podem contemplar o nascer do sol em volta de uma fogueira, na varanda de um armazém à beira do lago, com uma xícara de café ou chá aquecendo mãos. Ou admirar da cabine mesmo os primeiros raios de sol pintando o céu de dourado.
O café da manhã nos restaurantes é servido à la carte. No menu, frutas e sucos frescos da estação, geleias, iogurte natural com grãos andinos, seleção de queijos peruanos e embutidos artesanais, ovos, doces como bolo de milho com queijo, ou muffin de quinoa vermelha, e uma especialidade do chef, como salada de batata acompanhada de queijo frito.

O programa do segundo dia é navegar pelo majestoso Titicaca. Depois de avisados para levar protetor solar e roupa de banho, os passageiros são divididos em duas confortáveis embarcações privativas, com uma área fechada e outra ao ar livre. A primeira parada, depois de uns 50 minutos de uma tranquila navegação, é no arquipélago flutuante de Uros.


Em Uros é possível aprender sobre a construção e manutenção das tradicionais ilhas artificiais, feitas com junco trançado pela população indígena; ver como vivem os moradores (há cerca de cinco famílias em cada ilhota), admirar e comprar o colorido artesanato têxtil, de boa qualidade, e passear de totora, embarcação tradicional de Uros, também feita em junco.


ARTESANATO NA ILHA DE TAQUILLES, NO TITICACA
A escala seguinte acontece na ilha de Taquille. Em um agradável lounge ao ar livre montado pela Belmond em Playa Kolatta, os excursionistas são recebidos com música e dança e convidados a renovar as energias mergulhando nas águas calmas e geladas do lago. A maioria apenas molha os pés, mas há quem saia dando umas boas braçadas.
PLAYA KOLATTA, EM TAQUILLES, NO LAGO TITICACA
Playa Kolatta é voltada para a margem boliviana do lago. Em um dia claro, dá para vislumbrar a cidade de Copacabana emoldurada pelos Andes. O almoço, simples e gostoso, com truta e legumes grelhados, é servido pelos moradores em um restaurante local.




Depois de cerca de uma hora de navegação, estamos de volta a Puno. Um chá da tarde é servido ao som de um violino no mesmo armazém do nascer do sol, com lareira acesa e janelões com vista para o entardecer no Titicaca. De volta a bordo, vários passageiros aproveitam para usufruir do concorrido vagão-spa, com duas cabines para massagem. Os tratamentos do spa, à base de botânicos andinos, são o único serviço pago à parte na viagem.
Durante a noite, antes do jantar, já no caminho para Cusco, o trem atravessa um enorme mercado a céu aberto da cidade de Juliaca. É um bem-vindo choque de realidade para não se perder de vista o privilégio que é percorrer os Andes a bordo de um trem leito de luxo.
Dia 3

No terceiro dia, a jornada a bordo do Andean Explorer vai terminando. Vale a pena acordar ao amanhecer uma vez mais para apreciar o panorama que muda a cada curva. Na sequência do café da manhã, visita-se o preservado sítio arqueológico inca de Raqch’i, a 120 quilômetros ao sul de Cusco.
RUÍNAS DE UM TEMPLO INCA EM RAQCH’I, A 120 KM DE CUSCO
Em Raqch’i, há ruínas de mais de 150 antigos armazéns circulares e do impressionante templo inca de Wiracocha.
O local é conhecido, também, por bonitas e bem-acabadas cerâmicas, tradição transmitida de geração em geração. É gostoso conversar com os artistas da região e conhecer um pouco da história de alguns símbolos incas pintados nos objetos utilitários ou decorativos.


CEVICHES E SALADAS DE GRÃOS ANDINOS NO BRUNCH DO ANDEAN EXPLORER
De volta ao trem, é tempo de acomodar as cerâmicas na mala e entregar a chave da cabine. Nas últimas horas a bordo, antes do desembarque em Cusco, é servido um brunch informal, com ceviches e saladas de grãos, acompanhados de um rosé quebranta, também da Intipalka. O Observatório é o cenário perfeito para aproveitar a paisagem nos momentos finais.

Lançado em 2017, o Belmond Andean Explorer tem tudo para que a experiência de respirar o ar rarefeito da Cordilheira dos Andes, extrema para alguns, seja serena e encantadora para todos. Inclusive, oxigênio a bordo, assim como médico 24h, sem custo extra. Sempre abastecido de oxigênio, o profissional acompanha todos os passeios. O percurso do trem leito de luxo pode ser feito de Arequipa a Cusco ou vice-versa. Também há a possibilidade de ficar apenas uma noite a bordo e embarcar (ou desembarcar) em Puno.
O trajeto do trem Andean Explorer termina em Cusco, mas a viagem pode (e deve!) continuar. Há duas belíssimas propriedades Belmond no Centro Histórico da antiga capital do Império Inca, os hotéis Palacio Nazarenas e Monasterio, vizinhos de rua. Ambos estão a apenas cinco minutos de caminhada da Plaza de Armas, o coração da cidade. Cusco convida a bater perna por suas ruas estreitas, com construções com paredes em pedra e telhas em cerâmica que hoje abrigam numerosas lojas coloridas, bares e restaurantes.




O Palacio Nazarenas ocupa um convento do século XVII, com as acomodações distribuídas em torno de pátios internos. Os hóspedes são recebidos com a delicadeza de um pequeno buquê de flores frescas. Há 55 suítes, com sala de banho em mármore e sabonete artesanal com alecrim, quarto com lençóis bordados e sala de estar com móveis antigos em madeira e decorada com objetos de arte. O hotel tem piscina ao ar livre, raridade em Cusco.

Um dos destaques do Nazarenas é o restaurante Mauka, assinado pela chef peruana Pía León. Baseada em Lima, Pía figura na lista de melhores chefs do mundo do World’s 50 Best Restaurants. Na capital, ela está à frente do Kjolle e dirige o Central ao lado marido, o também premiado chef Virgilio Martínez. O Central foi eleito várias vezes pelo World’s 50 como um dos melhores do mundo. Os dois restaurantes dividem um endereço em Barranco, bairro artístico e boêmio de Lima, voltado para o Oceano Pacífico.
No Mauka, os pratos inspirados nas culturas indígenas são servidos em louça em cerâmica. Belas taças de cristal emolduram vinhos peruanos como o sangiovese Curahuasi, da Apu, que tem vinhedos a 3,3 mil metros de altitude. No café da manhã, a única refeição restrita aos hóspedes do Nazarenas, há iogurte com lúcuma, salada de quinoa com tomate e azeitona, panquecas de grãos andinos, seleção de queijos locais, truta defumada e mais.

O vizinho Monasterio, como o nome indica, fica em um mosteiro, erguido no final do século XVI. O pátio principal do hotel de 120 quartos tem um belo cedro de 300 anos e uma fonte, ambos cercados por canteiros floridos. A capela barroca revestida de ouro, erguida na segunda metade do século XVII, pode ser visitada em um tour interno que destaca a coleção de obras de arte sacra colonial da propriedade, composta principalmente de pinturas a óleo.


O restaurante Oqre, comandado pelo chef Jorge Muñoz, fica no claustro e tem mesas com vista para o pátio principal. No menu com uma dezena de opções de entrada e outras tantas de prato principal, destaque para gyozas recheados com adobo cusquenho (carne de porco) ou cogumelos andinos, tiraditos de truta curada com curry de manga, pepino e leche de tigre, rigattoni à moda de Arequipa (com camarão) e leitão com batatas e salada verde. A carta de vinhos reúne exemplares da Intipalka, da Apu e de outras vinícolas peruanas.

Outra joia da coleção de hotéis peruanos da Belmond é Las Casitas, no Vale do Colca. A 170 quilômetros do Aeroporto de Arequipa, é um hotel destino perfeito para uma escapada de um par de dias. O trajeto até lá contorna abismos, passa por planícies repletas de vicunhas e chega a até mais de 5 mil metros de altitude. Quem se hospeda no Las Casitas não precisa voltar ou ir até Arequipa para embarcar no Andean Explorer ou desembarcar do trem. Há transfer para (ou a partir de) um ponto intermediário da ferrovia, aquele onde essa história começou.
São 20 casitas decoradas como confortáveis casas de campo em um vale belíssimo, à beira de um dos cânions mais profundos do mundo. Cada acomodação, com espaçosos 120 metros quadrados, tem piscina aquecida, na varanda, lareira e chuveiro ao ar livre. Há wi-fi, mas não televisão. Uma piscina aquecida ao ar livre, integrada ao paisagismo do hotel, completa o cenário.
A deslumbrante beleza natural da região andina é um ponto alto, com trocadilho, claro, já que Las Casitas fica a 3,6 mil metros acima do nível do mar. Entre as atividades oferecidas pelo hotel, há um imperdível passeio que leva ao mirante Cruz del Condor, a cerca de uma hora de carro da propriedade. Ver o voo do majestoso condor-dos-andes, em seu habitat natural, é mais uma experiência peruana única e memorável oferecida aos visitantes.
Além da observação de condores andinos, há cavalgadas ou aulas de coquetelaria com degustação de pisco, por exemplo. Dedicar-se apenas a desacelerar contemplando a paisagem vista da própria varanda ou de outros pontos do hotel também é uma excelente opção.
O restaurante e o spa priorizam produtos locais. Vegetais e ervas aromáticas, por exemplo, são cultivados na propriedade. Deixa saudade a massagem com óleos essenciais. Assim como o carpaccio de abobrinha, o creme de milho e abóbora em emulsão de queijo e a seleção de batatas andinas ao forno. Teve ainda pancetta confitada e finalizada em forno a lenha, risoto de quinoa com cogumelos silvestres e alcachofras grelhadas e truta da região, marinada com ervas. Para sobremesa, seria uma pena resistir ao mil-folhas de marmelo e maçã.
Como não há voos diretos do Brasil para Cusco nem Arequipa, vale a pena aproveitar a conexão em Lima para explorar a vibrante cena artística e gastronômica da capital peruana. O hotel da Belmond em Lima é o Miraflores Park, com 89 suítes, de frente para o Pacífico.
Um dos destaques do Miraflores Park é o restaurante de cozinha peruana contemporânea Tragaluz, comandado pelo chef Ricardo Ehni e decorado com pinturas do artista plástico Mateo Liebana. O happy hour no piano-bar do lobby também faz sucesso.
Há uma extensa carta de drinques autorais, assinada por Fiorella Larrea. Destaque para o Capitan Uvina, parente do negroni feito com pisco em vez de gim. Ricardo Ehni e Fiorella Larrea já participaram de noites especiais nos hotéis Belmond no Brasil. Ele, no Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu, e ela, no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
A experiência de embarcar no Belmond Andean Explorer começara a apenas alguns dias antes, mas parece que foi em outra vida, tanto são os momentos memoráveis da viagem.
Viagem a convite da Belmond com seguro Intermac