Filip Calixto   |   07/08/2023 13:00

O afroturismo e o papel da Embratur, por Tânia Neres

Especialista reforçou a importância de tratar a negritude com maior potência e empoderamento


Divulgação
Tania Neres
Tania Neres

A crescente conscientização sobre as questões ambientais, sociais e de governança tem impulsionado movimentos em diversos setores, e o Turismo não é exceção. No Brasil, um país com uma rica diversidade cultural e étnica, o segmento de afroturismo precisa ganhar destaque, pois pode ser uma poderosa abordagem para a integração dos princípios ESG na indústria turística. O primeiro país fora da África em número de negros inseriu, em seu órgão de promoção do Turismo no Exterior, o Afroturismo como uma de suas prioridades.

A Embratur criou um cargo de Coordenação de Diversidade, Afroturismo e Povos Indígenas e para este posto nomeou Tania Neres, que tem passagens por diferentes operadoras e agências do segmento, é graduada em Administração de Empresas e pós-graduada em Planejamento, Marketing e Ensino da Cultura Afro. A nova coordenadora tem mais de 30 anos de atuação no Turismo e duas vezes presente na lista dos 100+ Poderosos do Turismo da PANROTAS.

Em entrevista para a Revista PANROTAS, a especialista mostra como o afroturismo está se tornando uma ferramenta valiosa para promover o desenvolvimento sustentável, a inclusão social e a preservação das ricas tradições culturais e históricas das comunidades afrodescendentes no Brasil.

PANROTASComo a questão do afroturismo foi introduzida nessa nova fase da Embratur? A agência entendeu que era uma necessidade falar mais do tema?

TANIA NERES – Sim, a Embratur entendeu isso por conta de três pontos principais: o Brasil é o primeiro país fora da África em maior número de negros; o afroturismo não tem a ver somente com destinos e experiências turísticas, mas também com a formação de um Turismo antirracista no Brasil; e, por sua vez, há um público gigantesco de turistas interessados na cultura afro-brasileira. Por isso, houve essa necessidade de se olhar para o afroturismo e apostar nele como um grande mercado de luta contra o racismo e de atração de turistas estrangeiros para o Brasil.

PANROTASQue objetivos a empresa tem com um departamento especificamente voltado ao afroturismo, diversidade e povos indígenas?

TANIA NERES – O objetivo da minha coordenação é colocar esses temas como um grande diferencial de mercado no mundo. Somos um país com muita diversidade, um país gigantesco, com um atrativo muito forte de sol e praia. Mas, para aumentar a permanência dos turistas no Brasil, a gente precisa mostrar para eles as pessoas que fazem essa roda girar, mostrar novas histórias, que eles possam também experimentar comidas e aprenderem a fazer essas comidas, que eles, turistas, possam participar de oficinas de comunidades indígenas ou comunidades quilombolas, entre tantas outras atividades que envolvem esses temas que estão sob minha responsabilidade aqui na Embratur. Além disso, passamos a olhar e valorizar a diversidade em todas as ações promocionais da Embratur, para que os estrangeiros se sintam acolhidos, tranquilos e seguros para circular nos aeroportos, nos hotéis, e aproveitem ao máximo todos os destinos turísticos brasileiros.

PANROTASQuais ações foram realizadas pelo departamento até o momento e quais outras estão no radar para acontecer?

TANIA NERES – Apesar de ser uma coordenação nova, já fizemos várias ações. Recentemente, eu viajei para a África, e já trabalhamos diversidade e afroturismo como destino turístico em press trips e famtours, com qualificação em workshops, e estamos trabalhando para que a gente inclua cada vez mais essa pauta nas feiras e eventos de que participamos. A ideia é que, todas as vezes que levarmos um grupo de jornalistas para conhecer algum ponto do Brasil, que nesse lugar tenha alguma coisa que fale sobre uma dessas três experiências, não só no destino em si, mas com pessoas que trabalhem com isso e que pertençam a esse mercado.

PANROTASDê um exemplo.

TANIA NERES – Se um destino não tiver nada de protagonismo negro, que o guia turístico seja negro, ou que o proprietário do restaurante seja negro, ou que um proprietário de hotel seja negro, para que a gente possa mostrar uma negritude com maior potência e empoderamento. Da mesma forma para os povos indígenas e da mesma forma para os povos da diversidade, de todas as categorias, como PCDs e LGBTs. O que a gente quer é demonstrar que há, dentro da Embratur, um desenvolvimento de diversidade e inclusão que não vai mais parar. Por conta disso, a gente também criou, dentro da agência, um Comitê de Diversidade e Inclusão para que a gente possa trabalhar essas questões dentro da Embratur.

PANROTASEntendendo a Embratur como um ator que representa o nosso Turismo para o consumidor internacional, como posicionar o Brasil como um destino relevante no contexto do afroturismo?

TANIA NERES – O reposicionamento do Brasil no contexto do afroturismo que estamos fazendo aqui na Embratur é necessário e urgente. Isso porque afroturismo não é destino, afroturismo é comportamento, é quebra de paradigmas, afroturismo é disruptivo, pois o afroturismo não está pensando somente no protagonismo negro como destino, mas também no protagonismo negro como viajante, no protagonismo negro como gestor de hotel, como gestor de restaurante etc.

As pessoas precisam entender que a população negra viaja, que ela tem dinheiro, e que, se ela não for bem recebida ou for confundida, ela não vai querer viajar para aquele local. A gente sabe da grande representatividade que o Brasil tem em relação à negritude, mas, ao mesmo tempo, quando os turistas chegam aqui, eles acham estranho pois não encontram pessoas negras, mesmo que o Brasil tenha 56% da população negra.

Não é fácil encontrar negros em algumas cidades e a gente sabe qual o motivo disso. Essas pessoas ainda continuam na periferia, elas não se desenvolvem por falta de oportunidades de chegar no topo, de ser um gestor de um restaurante, de um hotel etc. Até mesmo em algumas outras capitais que são mais negras, isso ainda também é meio difícil, então a gente precisa trabalhar com o afroturismo para que a gente consiga reordenar essa questão no Brasil e combater o racismo no setor em todas as frentes.

PANROTASComo se estrutura o departamento que trata do afroturismo dentro da Embratur?

TANIA NERES – A estrutura do departamento tem uma premissa. Se é um departamento que fala de diversidade, de afroturismo e de povos indígenas, há uma necessidade de que a gente tenha pessoas que sejam dessas comunidades e que possam agregar valor e consistência ao trabalho. No momento, estamos ainda montando o time, em contratação, e já escolhendo as pessoas que vão ocupar os espaços dessa estrutura. Dentro da Embratur, o afroturismo tem uma transversalidade em várias gerências. O afroturismo, mais que um movimento de razão, de destino turístico, vai além, pois ele tem o poder desmontar o Turismo racista.

PANROTASRecentemente o afroturismo foi tema de reunião na Comissão de Turismo dentro da Câmara dos deputados. O que foi apresentado na ocasião e qual o saldo?

TANIA NERES – A audiência que aconteceu na Câmara, a convite do deputado federal João Bacelar, teve a presença do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério do Turismo, da Embratur e também dos representantes da Diáspora.Black. A ideia era falar sobre números, porque uma das coisas mais importantes para que a gente possa transformar o afroturismo em algo interessante, é mostrar números. Tivemos uma boa receptividade entre os deputados que nos assistiram e houve uma discussão muito saudável com os ministérios, que entenderam o afroturismo como uma ferramenta muito importante para combate ao racismo.

Já a Diáspora.Black veio como um ator de afroturismo muito importante para mostrar para as pessoas quantos roteiros de afroturismo já existem, oferecer qualificação e treinamento para quem quiser entender melhor o afroturismo e trabalhar com ele. A audiência foi bem proveitosa, pois nós alinhamos os nossos pensamentos e, inclusive, teremos agora em agosto um encontro muito importante entre os atores de afroturismo e algumas instituições aqui em Brasília.

Essa matéria é parte integrante da Revista PANROTAS, Edição 1560:


Tópicos relacionados