Agências de viagens lesadas por ViagensPromo lutarão por seguro e fundo de amparo ao setor
Falta de pagamento da operadora é tratada como golpe em audiência pública de Comissão em Minas Gerais

A Comissão de Defesa do Consumidor e Contribuinte de Minas Gerais realizou, nesta terça-feira (29), uma audiência pública para debater os supostos prejuízos provocados pela ViagensPromo, que já anunciou a sua reestruturação financeira e informou que está adotando medidas para mitigar os impactos causados.
O debate abordou prejuízos que consumidores mineiros estão tendo diante da falta de pagamento por parte da operadora a várias agências de turismo de Minas Gerais, o que tem ocasionado cancelamentos de pacotes de viagens e enorme transtorno financeiro ao setor. A crise da VP também já foi pauta de audiência da Câmara Legislativa do Distrito Federal, onde possíveis medidas foram levantadas.
O debate de hoje, por sua vez, atendeu a um requerimento do deputado Professor Cleiton Oliveira. No documento, ele aponta a falta de pagamento da ViagensPromo a várias agências do Estado, ocasionando cancelamentos de pacotes de viagens e transtornos financeiros ao setor. E não é só isso: o silêncio do proprietário Renato Kido está gerando revolta nos agentes de viagens lesados pelas dívidas.
"A Assembleia serve como moderadora de soluções legais e propositora de mudanças nas normativas e na própria legislação. Não é justo que a pequena agência de viagens arque com as consequências de práticas adotadas por grandes empresas, como a ViagensPromo. Vamos buscar, junto ao presidente da Embratur, ao ministro do Turismo e à Presidência da República, a criação de um fundo de amparo aos agentes de viagens"
Cleiton Oliveira, deputado estadual de Minas Gerais

Possível golpe de má administração da ViagensPromo
Além disso, segundo o político, a operadora criou alternativas vantajosas às pequenas e médias agências de viagens, em meio a concorrência com gigantes como CVC e Azul Viagens, viabilizando fretamento de voos e condições acessíveis, que foram, segundo o deputado, "fatores que impulsionaram a empresa ao protagonismo e, no fim, lesaram uma série de agentes de viagens no País".
"Estamos diante de possível golpe de má administração, disfarçado de crise setorial, que exige uma imediata reestruturação financeira das empresas envolvidas — enquanto os agentes de viagens, mais uma vez, são os que pagam essa conta. É hora de darmos um basta. Propomos a formação urgente de uma comissão representativa para audiência com o Ministério do Turismo e a Embratur, com o objetivo de pleitear a criação de fundos específicos de recuperação para essas agências de viagens afetadas"
Cleiton Oliveira, deputado estadual de Minas Gerais
Além disso, segundo ele, é preciso denunciar com clareza a prática adotada pela ViagensPromo, que emitiu um Termo de Comunicação de Desacordo Comercial, empurrando a responsabilidade para os bancos — especialmente o Banco do Brasil — que, por sua vez, se recusam a assumir qualquer pagamento perante os cidadãos.
"Tudo indica que estamos lidando com uma antecipação irregular de empréstimos, operacionalizada por Renato Kido, e com instituições financeiras agora tentando se eximir de responsabilidade. Isso não é apenas uma crise financeira, é um alerta ético e institucional que exige resposta urgente das autoridades", disse Cleiton.
"O empresário Renato Kido vai ser fichinha para nós. E foi me dito que hoje é aniversário dele. Desejamos vida longa para que Kido possa pagar tudo que fez com os agentes de viagens"
Cleiton Oliveira, deputado estadual de Minas Gerais
Responsabilidade solidária das agências de viagens

A deputada estadual Lohanna França, por sua vez, disse ser inadmissível que a responsabilidade de uma crise provocada por grandes empresas do setor esteja sendo transferida para profissionais autônomos e pequenas agências de viagens, voltando à questão do assunto da responsabilidade solidária, vetado pelo presidente Lula.
"Precisamos urgentemente limitar esse tipo de responsabilização desproporcional. O Parlamento Estadual tem, sim, o papel de construir essa ponte com o Governo Federal, articulando debates com os deputados federais, baseada em um caso concreto onde a má-fé empresarial está mais evidente do que nunca. Nosso dever é duplo: salvaguardar os direitos do consumidor e proteger as agências de viagens que atuam com seriedade e transparência"
Deputada estadual Lohanna França
Abav-MG exige criação de seguros e fundos para proteger agentes

Matheus Duarte, assessor jurídico da Abav-MG, destacou que a situação é extremamente preocupante e afirmou ser necessário estabelecer uma regulação mais eficaz sobre as operadoras de Turismo, exigindo a criação de seguro de responsabilidade civil e a obrigatoriedade de manter um fundo garantidor.
"Este fundo, inclusive deveria entrar em ação ao menor sinal de risco, garantindo o cumprimento das ofertas feitas ao consumidor. E antes de mais nada, é fundamental que o agente de viagens conheça o que está sendo ofertado ao consumidor. Quando a oferta parece boa demais, é preciso redobrar a atenção — como diz o ditado, 'quando a esmola é demais, o santo desconfia'. Precisamos buscar mecanismos urgentes para minimizar prejuízos das agências de viagens, que estão sendo responsabilizadas por algo que não controlam"
Matheus Duarte, assessor jurídico da Abav-MG
Ele lembra ainda que a ViagensPromo já foi excluída do quadro da Abav-MG após ter deixado um rastro de vendas não honradas. Muitas agências começaram a ser alertadas sobre esses problemas, mas mesmo assim o impacto foi grande. O mercado responde com sinais claros: há um volume significativo de serviços não entregues e uma grave incapacidade financeira por parte da empresa.
"O que nos perguntamos hoje é: onde está a falha? Quem deveria estar fiscalizando uma empresa com atividade nacional, registrada no Cadastur, ofertando pacotes em larga escala? É necessário estabelecer uma regulação mais eficaz sobre as operadoras de Turismo, considerando o seu faturamento, exigindo seguro de responsabilidade civil, e a obrigatoriedade de manter um fundo garantidor. Este fundo, inclusive, deveria entrar em ação ao menor sinal de risco, garantindo o cumprimento das ofertas feitas ao consumidor"
Matheus Duarte, assessor jurídico da Abav-MG
Segundo Matheus, a insolvência da ViagensPromo é evidente: acordos não são cumpridos, as informações são desencontradas e uma tentativa deliberada de postergar os reembolsos devidos.
"Por outro lado, o mercado ainda impõe dificuldades ao agente de viagens, que se vê sozinho tentando intermediar ressarcimentos. É como se o agente estivesse o tempo todo exposto, vulnerável, como alguém esperando que o raio caia a qualquer momento, de qualquer lado”, afirmou o executivo.
Unav cita a responsabilização individual dos agentes

A União Nacional dos Agentes de Viagens (Unav), que congrega mais de 1,3 mil agências de viagens — a maioria delas microempreendedores —, defende que a responsabilização individual das agências em casos como a quebra da ViagensPromo é injusta e reforça a necessidade de articulação entre todos os elos do setor.
"A responsabilidade individual das agências é totalmente injusta, porque estamos lidando com empreendedores no fim das contas", afirma Joaquin Pedro, advogado da Unav. "Nossa posição é ter uma forte interlocução com as agências de viagens, brokers, operadoras, consolidadoras e prestadores de serviço. Só com diálogo e união o setor poderá evitar prejuízos em cadeia", complementou ele.
“A criação de um fundo garantidor, já debatido em audiência pública no Distrito Federal, faz todo o sentido e contribui para o desenvolvimento do setor. E quero frisar aqui que a Unav está ao lado dos agentes de viagens"
Joaquin Pedro, advogado da Unav
Agências de viagens solicitam criação de medidas de proteção

Camila Scarabelli, sócia da Adejo Viagens, também se tornou presidente do Moavi (Movimento Organização dos Agentes de Viagens), criado após o colapso da ViagensPromo. O movimento, que visa constituir melhores condições para categoria que lida com uma série de quebras ao longo dos últimos anos, citou uma série de possíveis medidas que devem ir para frente em prol do agenciamento, tais como:
- Abrir investigação formal e imediata para apurar a responsabilidade da ViagensPromo e, se comprovadas práticas criminosas, punir exemplarmente os envolvidos.
- Criar uma comissão especial para fiscalizar a atuação das operadoras de turismo e defender os direitos dos consumidores e dos pequenos e médios empresários do setor.
- Viabilizar uma linha de crédito emergencial para que as agências de viagens afetadas não arquem sozinhas com os prejuízos causados por terceiros.
- Regulamentar o funcionamento das operadoras, exigindo autorizações específicas, critérios de atuação financeira e a criação de um fundo garantidor obrigatório para proteger o consumidor e o agente de viagens.
"Até quando vamos conviver com essas quebras sem qualquer segurança jurídica, colocando os agentes de viagens para responderem sozinhos por falhas que envolvem toda uma cadeia de consumo? Somente em Minas Gerais, mais de 200 agências foram lesadas, acumulando um prejuízo de R$ 5 milhões. É urgente que tenhamos o apoio necessário para proteger esses profissionais, que atuam com seriedade e estão sendo punidos por erros que não cometeram."
Camila Scarabelli, presidente da Moavi e sócia da Adejo Viagens
ViagensPromo na Abav Expo 2024

Fernando Moura, gestor da IB Turismo, disse que os agentes de viagens foram os últimos a saber dos problemas enfrentados pela ViagensPromo que, por sua vez, levou estande, artistas e prêmios para Abav Expo 2024, em Brasília, e hoje tem a estimativa de devee cerca de R$ 500 milhões a agentes de viagens, fornecedores e demais players
"Isso foi um golpe planejado. Nós, agências de viagens de pequeno porte, não fomos comunicados sobre a real situação da ViagensPromo. O próprio advogado, em Brasília, afirmou que já tinha conhecimento da condição da empresa e, mesmo assim, permitiu sua participação na Abav Expo 2024 — com estande, presença de artistas, sorteios de iPhone... Todos aqui sabem que não fomos informados. Se tivéssemos tido esse respaldo, a situação hoje seria completamente diferente"
Fernando Moura, gestor da IB Turismo
Outro ponto importante citado por ele é a emissão imediata do voucher da viagem no ato da compra, que deveria ser obrigatória, assim como acontece na compra de uma passagem aérea. "É preciso deixar claro: nossa responsabilidade, enquanto agência, está limitada a 10% ou 15% do valor da venda — que é a parte que nos cabe. O restante cabe às operadoras e às companhias envolvidas, que devem também ser responsabilizadas", completou.
Histórico da ViagensPromo
- Criada em 2018, a ViagensPromo alcançou relevância no mercado ao oferecer promoções exclusivas e voos fretados para destinos nacionais, principalmente o Nordeste. A empresa é acusada de praticar preços geralmente abaixo da média do mercado além de pagar altas comissões aos agentes de viagens e distribuir prêmios como famtours e aparelhos eletrônicos, como celulares, tablets e relógios inteligentes.
- A empresa foi fundada por Renato Kido, que ocupa atualmente o cargo de diretor-geral, e mais um sócio na época. O empresário começou sua carreira como controlador de voo e acumulou décadas de atuação como executivo de agências de viagens antes de lançar o próprio negócio.
- Tudo teria corrido bem com a ViagensPromo até o último dia 13 de fevereiro, quando executivos de agências de viagens por todo o Brasil receberam um comunicado da direção da operadora alegando uma suposta “instabilidade no fluxo operacional e financeiro” e de que “não dispunha de recursos para honrar as reservas com embarques futuros que ainda não foram quitados”.
- Em março, a Gol anunciou o encerramento do contrato que tinha com a empresa por causa de suposta dívida em torno de R$ 1 milhão, referente a fretamentos e taxas de embarque.
- No último dia 20 deste mesmo mês, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) notificou a ViagensPromo para prestar esclarecimentos sobre o cancelamento de voos fretados.