Da Redação   |   08/04/2025 12:22

PERSE: artigo aborda violação à legalidade tributária e erosão da segurança jurídica

Segundo Leonardo Volpatti, revogação do PERSE revelam quadro preocupante de retração autoritária do Estado

Divulgação
Leonardo Volpatti, advogado, cientista político e mestrando em Direito Público e Regulação
Leonardo Volpatti, advogado, cientista político e mestrando em Direito Público e Regulação

Leonardo Volpatti, advogado, cientista político e mestrando em Direito Público e Regulação, além de especialista em Direito Tributário e Relações Governamentais, revelou em artigo que a implementação e a revogação do PERSE revelam um quadro preocupante de retração autoritária do Estado, violação à legalidade tributária, e de erosão da segurança jurídica. Descubra o porque abaixo.

PERSE, Receita Federal e a Crise da Legalidade Tributária: Quando o Fisco Viola a Segurança Jurídica e o Judiciário Precisa Reagir

O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), instituído pela Lei nº 14.148/2021, emergiu como resposta legislativa à tragédia econômica que assolou o setor de eventos e turismo durante a pandemia da Covid-19. Ao prever a isenção de tributos federais por 60 meses, o PERSE representou um pacto institucional entre Estado e contribuinte, fundado no reconhecimento da gravidade do cenário vivenciado por empresas do setor. No entanto, a sua implementação — e sobretudo sua revogação — revelam um quadro preocupante de retração autoritária do Estado, violação à legalidade tributária, e de erosão da segurança jurídica.

A ofensiva fiscal contra o PERSE

A partir da publicação da lei, a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) passaram a editar normas e atos administrativos que impuseram restrições não previstas no texto legal. Exigiu-se, por exemplo, que as empresas estivessem previamente cadastradas no CADASTUR, e que tivessem como CNAE principal a atividade enquadrada no anexo da norma, excluindo da fruição do benefício empresas com CNAEs secundários ou que atuassem em atividades conexas.

Tais restrições não encontram amparo na Lei nº 14.148/2021, tampouco foram discutidas ou aprovadas pelo Congresso Nacional naquela ocasião. Trata-se de uma ampliação indevida do poder regulamentar da Administração Tributária, violando o princípio da legalidade estrita (art. 150, I, da CF) e o devido processo legal tributário. A situação se agravou com a tentativa de extinção do benefício por Medida Provisória (MP nº 1.202/2023), e culminou, mais recentemente, com o Ato Declaratório Executivo da Receita Federal publicado em 26 de março de 2025, que marcou o ponto mais crítico desse embate.

A violação frontal ao art. 150 da Constituição

O art. 150, III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal estabelece que nenhum tributo será cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou (anterioridade anual), nem antes de 90 dias da data em que tenha sido publicada (anterioridade nonagesimal). A função dessas garantias é proteger o contribuinte de surpresas fiscais, assegurando-lhe tempo para reorganizar sua estrutura e evitar ônus retroativos ou intempestivos.

Ao extinguir o PERSE numa segunda-feira (26/03/2025) e reiniciar a apuração tributária já na terça-feira seguinte (01/04/2025), para recolhimento em maio, o Estado violou essas garantias de forma inequívoca. O impacto não foi apenas econômico, mas institucional: as regras do jogo foram alteradas sem qualquer transição razoável previsto em lei ou respeito aos marcos constitucionais.

O descumprimento do art. 4º-A da Lei do PERSE

A ilegalidade da revogação se manifesta também na omissão deliberada do art. 4º-A da própria Lei nº 14.148/2021, inserido pela Lei nº 14.592/2023. Esse artigo estabeleceu um rito procedimental para eventual reavaliação dos benefícios, exigindo:

  • Relatórios bimestrais de acompanhamento dos impactos fiscais do PERSE;
  • Audiências públicas para demonstração dos dados;
  • Análise e aprovação expressa do Congresso Nacional, como condição para modificação da política pública.

Nada disso foi cumprido. A audiência pública realizada na Comissão Mista de Orçamento em 13 de março de 2025 não resultou na aprovação formal de relatório técnico, tampouco houve deliberação pelo Congresso Nacional. O ADE de 26 de março, portanto, carece de fundamento legal e procedimental, constituindo verdadeiro ato normativo unilateral, sem lastro jurídico.

A tentativa de revogação por meio de instrumento infralegal, sem observância das etapas exigidas por lei, ofende diretamente os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da previsibilidade fiscal e do controle democrático do gasto público. A forma se impõe ao conteúdo, especialmente em matéria tributária, onde a rigidez procedimental é escudo contra o arbítrio arrecadatório.

A jurisprudência do STF e o precedente do caso REINTEGRA

Em importante precedente recente, o STF reafirmou, sob repercussão geral, que a revogação ou redução de benefícios tributários relativos a contribuições sociais deve respeitar a anterioridade nonagesimal. A decisão é coerente com a linha de raciocínio desenvolvida por Tarsila Ribeiro Marques Fernandes, no texto “Princípio da anterioridade aplicado às contribuições: o caso do REINTEGRA”, publicado na obra Contribuições: evolução jurisprudencial no CARF, STJ e STF (MP, 2022).

A autora defende que a segurança jurídica exige que regimes fiscais instituídos por lei só possam ser alterados mediante processo legislativo regular e com respeito à cláusula da anterioridade. O caso do REINTEGRA envolvia situação análoga: a tentativa de revogar incentivo fiscal com efeitos quase imediatos, gerando imprevisibilidade tributária e rompendo a confiança legítima do contribuinte. De modo similar, a Súmula 544 do STF fixa que “isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.”

O papel do STJ: estabilização e controle

Diante da multiplicidade de ações judiciais e decisões divergentes nos Tribunais Regionais Federais, é inevitável que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) seja provocado a uniformizar a interpretação da Lei nº 14.148/2021. Já há indicativos de que recursos serão afetados sob o rito dos recursos repetitivos (art. 1.036 do CPC), especialmente no que diz respeito:

  • à duração da isenção de 60 meses;
  • à aplicabilidade para CNAE secundário ou atividades conexas;
  • à validade das condicionantes criadas por normas infralegais;
  • e à necessidade de cumprimento do rito previsto no art. 4º-A para qualquer alteração no programa.

O STJ será chamado, portanto, a exercer sua função institucional de garantir estabilidade, coerência e integridade do Direito Tributário, reafirmando que o Estado está vinculado não apenas à arrecadação, mas ao devido processo legal e ao respeito à confiança que ele próprio gera.

Considerações finais: o PERSE como sintoma de um problema maior

O caso PERSE não é apenas uma controvérsia fiscal. Ele revela um conflito estrutural entre a administração fazendária e o ordenamento jurídico, entre a ânsia por arrecadação imediata e o compromisso com a estabilidade jurídica. O Judiciário tem agora a oportunidade de restaurar esse equilíbrio.

Se as cortes superiores não contiverem essa escalada de abusos normativos por via infralegal, nenhum benefício fiscal futuro será confiável, e o Estado perderá sua credibilidade como garantidor de políticas públicas de fomento. O PERSE precisa ser defendido não apenas como instrumento econômico, mas como símbolo da integridade legislativa e da força normativa da Constituição.

Quer receber notícias como essa, além das mais lidas da semana e a Revista PANROTAS gratuitamente?
Entre em nosso grupo de WhatsApp.

Tópicos relacionados

Avatar padrão PANROTAS Quadrado azul com silhueta de pessoa em branco ao centro, para uso como imagem de perfil temporária.

Conteúdos por

Da Redação

Da Redação tem 11147 conteúdos publicados no Portal PANROTAS. Confira!

Sobre o autor

Colaboração para o Portal PANROTAS