COP 30 escancara despreparo e falta de articulação do poder público; leia o artigo
Professora aponta ausência de política pública e o desprezo à qualificação técnica como causas do problema

A menos de 100 dias da abertura da COP 30, Belém (PA) enfrenta uma onda de críticas por problemas logísticos, preços abusivos e desorganização. Em artigo, a pesquisadora e professora de Turismo na Universidade de São Paulo, Mariana Aldrigui aponta a ausência de política pública e o desprezo à qualificação técnica como causas centrais do cenário preocupante. Leia o artigo exclusivo abaixo.
COP30: quando improviso e vaidade substituem política pública
"Faltando pouco menos de 100 dias para a abertura oficial da COP30, os problemas de Belém já transbordam os grupos de organizadores e invadem as manchetes nacionais. O escândalo dos preços abusivos da hospedagem é apenas o sintoma mais visível de uma cadeia de desorganização que promete se estender aos transportes, alimentação, logística das delegações e, muito provavelmente, ao saneamento e à segurança. Mais uma vez, o Brasil ensaia uma participação de destaque num palco internacional e tropeça nos próprios descuidos.
O mais alarmante é que tudo isso era previsível — e foi previsto. Desde 2023, quando Belém foi anunciada como sede, especialistas em turismo vêm alertando sobre os desafios logísticos e operacionais que uma conferência como a COP30 impõe. No entanto, como historicamente acontece, esses profissionais foram solenemente ignorados. O Brasil forma quadros qualificados em turismo há mais de 70 anos. Possui universidades de excelência, grupos de pesquisa atuantes, redes técnicas, experiências acumuladas em grandes eventos. Mas esse capital humano segue sendo ignorado ou subaproveitado pelo poder público.
O Ministério do Turismo, que deveria liderar a articulação nacional em torno do evento, optou pelo caminho oposto. Seu titular, mais interessado nas articulações para sua próxima candidatura, se destaca pelas falas vazias (como a inauguração de um hotel seis estrelas em um país em que o próprio MTur regula a classificação de 1 a 5) e por projetos tão audaciosos como uma cartilha de colorir imitando um sucesso editorial. Enquanto o setor enfrenta um dos maiores desafios da década, o ministro alega um “delayzinho” no lançamento da plataforma de hospedagem que já deveria estar funcionando desde o final da COP29.
Não é à toa que os problemas já afetam a percepção internacional do evento. Delegações estrangeiras, incomodadas com preços fora da realidade e insegurança sobre a estrutura da cidade, já articulam — de forma pública ou reservada — pedidos de transferência da sede. Isso é grave. E não apenas por comprometer a imagem de Belém, mas por arranhar a credibilidade do Brasil como anfitrião de eventos globais, afetando o trabalho competente de vários outros destinos.
O Turismo, que deveria ser um ativo estratégico na construção dessa imagem, permanece como figurante. E isso não por falta de competência técnica, mas por desprezo institucional. Seguimos aceitando que políticos sem nenhum projeto decente ou vínculo histórico com o setor assumam postos relevantes e controlem orçamentos que poderiam fazer muita diferença em projetos inteligentes.
Concordamos, mandato após mandato, que boa vontade basta, e aplaudimos quando repetem que “agora aprenderam a importância do setor”, que “turismo é o novo petróleo” e outras frases batidas e repetidas há mais de meio século. Não protestamos e nem fazemos barulho suficiente para dizer que a má gestão de um pré-evento em que toda a mídia mundial fará questão de cobrir vai manchar por um bom tempo a imagem de todo o país, e não só de Belém.
Quando o improviso vira norma e a vaidade ocupa o lugar da política pública, o resultado é esse: uma oportunidade desperdiçada diante do mundo. E mais uma geração de profissionais vendo seu trabalho ser descartado por um Estado que insiste em não aprender com seus próprios erros.
Vai dar totalmente errado? Claro que não. Mas temos que abandonar esse conformismo de “fizemos o melhor possível”. Temos competência para mais, muito mais. Não adianta inventar escola de turismo, maquiar dados, tentar desviar a atenção – uma parte do estrago já está posta, e vai dar trabalho corrigir. Mudar a sede é improvável, sabemos. Recuperar a imagem de Belém como uma sede adequada para eventos nacionais e internacionais é que vai ser complicado".