Da Redação   |   09/01/2015 16:00

Advogado contesta resolução relacionada a seguro viagens

Em artigo enviado ao Portal PANROTAS, o advogado Gustavo de Medeiro Melo, comenta a Resolução CNSP n.º 315, instituída em setembro do ano passado, sobre as coberturas

Em artigo enviado ao Portal PANROTAS, o advogado Gustavo de Medeiro Melo, comenta a Resolução CNSP n.º 315, instituída em setembro do ano passado, sobre as coberturas que um plano básico de seguro viagens deve conter.

Confira

As novas regras do seguro viagem

Gustavo de Medeiros Melo*

No mercado de turismo, existem empresas que há muito prestam serviços de assistência ao viajante, oferecendo um variado pacote de benefícios com a opção de ser contratado um seguro viagem. O seguro viagem é um ramo dos seguros de pessoas que protege o segurado (ou seus beneficiários) diante do risco de sofrer acidentes pessoais relacionados com a viagem em território nacional ou no exterior.

Nesse caso, considerando a relação direta estabelecida com o viajante e a dinâmica do próprio negócio, a empresa de assistência providencia a contratação do seguro em nome de seus clientes junto a uma companhia seguradora.

Esse seguro foi alvo recente da Resolução CNSP n.º 315, de 26 de setembro de 2014, baixada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). A nova resolução determina que o plano básico deve prever ao menos uma das seguintes coberturas: despesas médicas, hospitalares e odontológicas em viagem nacional ou ao exterior (DMHO); traslado de corpo; regresso sanitário; traslado médico; morte em viagem (natural ou acidental) e cobertura para invalidez permanente total ou parcial por acidente em viagem. No caso de viagem ao exterior, quatro dessas coberturas passaram a ser obrigatórias.

Até aí, o órgão regulador parece disciplinar os critérios mínimos de segurança que devem ser observados no processo de oferta do produto securitário no mercado de consumo.

Entretanto, a Susep avançou o sinal vermelho. A Resolução CNSP n.º 315/2014 alterou a posição jurídica desses agentes que operam diretamente com o viajante e os proibiu de atuar como estipulantes ou subestipulantes de seus clientes no processo de contratação do seguro viagem. Se quiserem oferecer seguro, essas empresas deverão celebrar contrato na condição de representantes de seguro com uma companhia seguradora.

Ser representante de seguro, por sua vez, significa para a empresa a obrigação de promover a realização de contratos de seguro à conta e em nome da sociedade seguradora. Isso implica também a submissão da empresa de assistência ao controle e à fiscalização da SUSEP, que poderá fazer auditorias, suspender ou interromper os serviços prestados, impor penalidades se for constatada alguma inadequação na oferta desses planos de seguro, etc.

Nesse ponto, a Susep cria uma situação um tanto quanto extravagante para os prestadores de serviços turísticos. Por força da Lei n.º 11.771/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, as empresas de assistência são submetidas à fiscalização do Ministério do Turismo e podem efetuar venda ou intermediação remunerada de seguros vinculados a viagens, passeios e excursões e de cartões de assistência ao viajante (art. 27, VIII).

Em outras palavras, a Resolução CNSP n.º 315/2014 atinge em cheio a operação exercida por essas empresas que são, em essência, intermediários na oferta aos consumidores dos produtos relacionados com os serviços turísticos. Elas ocupam uma posição que está muito mais afinada com a figura do estipulante, que representa os segurados, do que com essa espécie esquisita que as coloca na outra ponta da relação como “representantes” da seguradora.

Além disso, a proibição baixada pela Susep vem na contramão do regime jurídico estabelecido para definir a figura do estipulante de seguros. De acordo com o Código Civil, o seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito do grupo que a ela se vincule de qualquer modo, e que esse estipulante não representa o segurador, sendo o único responsável, para com este, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais (CC, art. 801).

Como se vê, a resolução “cria” regras que contrariam as disposições da lei federal, o que significa, em termos técnicos, uma autarquia invadindo as atribuições do Congresso Nacional, o único competente para legislar sobre Direito Civil e Comercial, e sobre a política de seguros, nos termos da Constituição de 1988 (CF, art. 22, I e VII).

A questão é grave e certamente envolve matéria constitucional. Aliás, o Supremo Tribunal Federal invalidou recentemente uma lei estadual que estabeleceu regras para os planos de saúde, por entender que a Constituição “não autoriza os Estados-membros a editarem normas acerca de relações contratuais, uma vez que essa atribuição está inserida na competência da União Federal para legislar sobre direito civil” (STF, Pleno, ADI n.º 4.701-PE, Min. ROBERTO BARROSO, j. 13.08.14).

Para bom entendedor, o recado da Suprema Corte foi dado. O tempo dirá.

* Mestre e doutor em direito processual civil (Puc-SP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS). Professor da Escola Superior de Advocacia de São Paulo (ESA-SP) e da Escola Nacional de Seguros (FUNENSEG). Sócio da área de seguros da Porto Advogados