Carta da Azul confirma que governo português garantiu pagamento de dívida da Tap; entenda
Documento enviado ao governo mostra garantia dada por Pedro Nuno Santos sobre reembolso

A Azul entregou recentemente ao governo português uma carta demonstrando o compromisso assumido em 2020 de que a Tap reembolsaria as obrigações (bonds) emitidas junto à empresa. O documento, assinado pelo então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, desmente a versão atual do governo, que até agora afirmava não ter nenhum registro oficial sobre essa promessa.
O conteúdo da carta, conforme noticiou o portal Público PT, de Portugal, foi revelado em resposta a um pedido de esclarecimento feito pelo grupo parlamentar do PSD (Partido Social Democrata). Segundo o Ministério das Infraestruturas, a correspondência chegou recentemente às mãos da atual administração por meio da própria Azul.
No documento, Pedro Nuno Santos assegura que o Estado português solicitava apenas que a Azul renunciasse ao direito de converter os títulos de dívida em ações da Tap - direito esse que havia sido acordado anteriormente. Em troca, a empresa brasileira manteria seu direito ao reembolso integral dos 90 milhões de euros emprestados em 2016, além de juros que, somados, atingem valor semelhante, com vencimento previsto para 2026.
O ministro também destacou que, caso a Azul exigisse garantias adicionais, apenas os tribunais poderiam concedê-las, "como é próprio de um Estado de direito". A carta não menciona a palavra “suprimento” — termo jurídico que se refere a empréstimos feitos por acionistas e que, por lei, têm regras específicas de pagamento.
O contexto: pandemia e saída de sócios privados
A polêmica em torno da dívida remonta ao início da intervenção estatal na Tap, em 2020, quando o governo português interveio para salvar a companhia aérea diante da crise causada pela pandemia de covid-19. Na época, o empresário David Neeleman - então sócio da Tap por meio da Azul - aceitou vender sua participação por 55 milhões de euros, dos quais 10,6 milhões foram pagos diretamente à Azul.
O governo português temia que, após o aporte bilionário feito para salvar a TAP (que começou com 1,2 bilhão de euros e chegou a 3,2 bilhões), a Azul pudesse se tornar acionista majoritária ao converter sua dívida em ações. Para evitar isso, foi firmado o acordo agora revelado pela carta.
Na época, a própria Azul comunicou a seus investidores que havia mantido os "direitos de credor sénior", apostando na recuperação da TAP e na capacidade da empresa de honrar a dívida até 2026.
Controvérsia jurídica e batalha nos tribunais
Nos anos seguintes, o cenário complicou-se. Em 2024, com dificuldades financeiras, a Azul exigiu o pagamento antecipado da dívida ou a execução de garantias, incluindo o uso do programa de milhas da Tap - um dos ativos incluídos no pacote de privatização da companhia aérea portuguesa.
A TAP, por sua vez, respondeu com uma ação judicial, alegando que o contrato firmado em 2016 entre a Tap SGPS (holding da empresa) e a Azul deveria ser considerado um "suprimento", uma vez que envolvia um acionista da empresa, o que poderia alterar os critérios legais para reembolso.
A Azul contestou com veemência essa tese, afirmando que, em 2016, não era acionista da TAP SGPS nem da Tap SA.
Insolvência declarada e consequências
Paralelamente à disputa judicial, uma assembleia de obrigacionistas realizada em maio de 2025 reconheceu o descumprimento, por parte da Tap SGPS - atualmente rebatizada de Siavilo - das obrigações contratuais relacionadas à dívida. A empresa deveria ter reembolsado os títulos, mas não o fez.
A situação culminou na última quarta-feira (6), quando o Juízo de Comércio de Lisboa declarou oficialmente a insolvência da Siavilo, após um pedido apresentado pela própria TAP SA, que figura como credora da antiga holding.
Próximos capítulos
A entrega da carta pela Azul pode mudar o rumo dos processos judiciais e da narrativa política em torno da nacionalização da TAP. Ao confirmar que houve, sim, uma garantia formal por parte do Estado português, o documento fortalece a posição da Azul como credora prioritária.
A disputa sobre se o empréstimo se caracteriza como “suprimento” ou não permanece no centro do embate jurídico e pode definir o futuro da dívida - e, indiretamente, influenciar os planos de privatização da TAP, que volta a ser pauta sensível no cenário político e econômico de Portugal.