Filip Calixto   |   07/08/2025 10:21

Carta da Azul confirma que governo português garantiu pagamento de dívida da Tap; entenda

Documento enviado ao governo mostra garantia dada por Pedro Nuno Santos sobre reembolso

Guilherme Ramos
Documento enviado pela empresa brasileira desmonta versão anterior do governo, que negava ter prova da promessa feita em 2020. Caso envolve 90 milhões de euros em obrigações da Tap e é central em disputa judicial
Documento enviado pela empresa brasileira desmonta versão anterior do governo, que negava ter prova da promessa feita em 2020. Caso envolve 90 milhões de euros em obrigações da Tap e é central em disputa judicial

A Azul entregou recentemente ao governo português uma carta demonstrando o compromisso assumido em 2020 de que a Tap reembolsaria as obrigações (bonds) emitidas junto à empresa. O documento, assinado pelo então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, desmente a versão atual do governo, que até agora afirmava não ter nenhum registro oficial sobre essa promessa.

O conteúdo da carta, conforme noticiou o portal Público PT, de Portugal, foi revelado em resposta a um pedido de esclarecimento feito pelo grupo parlamentar do PSD (Partido Social Democrata). Segundo o Ministério das Infraestruturas, a correspondência chegou recentemente às mãos da atual administração por meio da própria Azul.

No documento, Pedro Nuno Santos assegura que o Estado português solicitava apenas que a Azul renunciasse ao direito de converter os títulos de dívida em ações da Tap - direito esse que havia sido acordado anteriormente. Em troca, a empresa brasileira manteria seu direito ao reembolso integral dos 90 milhões de euros emprestados em 2016, além de juros que, somados, atingem valor semelhante, com vencimento previsto para 2026.

O ministro também destacou que, caso a Azul exigisse garantias adicionais, apenas os tribunais poderiam concedê-las, "como é próprio de um Estado de direito". A carta não menciona a palavra “suprimento” — termo jurídico que se refere a empréstimos feitos por acionistas e que, por lei, têm regras específicas de pagamento.

O contexto: pandemia e saída de sócios privados

A polêmica em torno da dívida remonta ao início da intervenção estatal na Tap, em 2020, quando o governo português interveio para salvar a companhia aérea diante da crise causada pela pandemia de covid-19. Na época, o empresário David Neeleman - então sócio da Tap por meio da Azul - aceitou vender sua participação por 55 milhões de euros, dos quais 10,6 milhões foram pagos diretamente à Azul.

O governo português temia que, após o aporte bilionário feito para salvar a TAP (que começou com 1,2 bilhão de euros e chegou a 3,2 bilhões), a Azul pudesse se tornar acionista majoritária ao converter sua dívida em ações. Para evitar isso, foi firmado o acordo agora revelado pela carta.

Na época, a própria Azul comunicou a seus investidores que havia mantido os "direitos de credor sénior", apostando na recuperação da TAP e na capacidade da empresa de honrar a dívida até 2026.

Controvérsia jurídica e batalha nos tribunais

Nos anos seguintes, o cenário complicou-se. Em 2024, com dificuldades financeiras, a Azul exigiu o pagamento antecipado da dívida ou a execução de garantias, incluindo o uso do programa de milhas da Tap - um dos ativos incluídos no pacote de privatização da companhia aérea portuguesa.

A TAP, por sua vez, respondeu com uma ação judicial, alegando que o contrato firmado em 2016 entre a Tap SGPS (holding da empresa) e a Azul deveria ser considerado um "suprimento", uma vez que envolvia um acionista da empresa, o que poderia alterar os critérios legais para reembolso.

A Azul contestou com veemência essa tese, afirmando que, em 2016, não era acionista da TAP SGPS nem da Tap SA.

Insolvência declarada e consequências

Paralelamente à disputa judicial, uma assembleia de obrigacionistas realizada em maio de 2025 reconheceu o descumprimento, por parte da Tap SGPS - atualmente rebatizada de Siavilo - das obrigações contratuais relacionadas à dívida. A empresa deveria ter reembolsado os títulos, mas não o fez.

A situação culminou na última quarta-feira (6), quando o Juízo de Comércio de Lisboa declarou oficialmente a insolvência da Siavilo, após um pedido apresentado pela própria TAP SA, que figura como credora da antiga holding.

Próximos capítulos

A entrega da carta pela Azul pode mudar o rumo dos processos judiciais e da narrativa política em torno da nacionalização da TAP. Ao confirmar que houve, sim, uma garantia formal por parte do Estado português, o documento fortalece a posição da Azul como credora prioritária.

A disputa sobre se o empréstimo se caracteriza como “suprimento” ou não permanece no centro do embate jurídico e pode definir o futuro da dívida - e, indiretamente, influenciar os planos de privatização da TAP, que volta a ser pauta sensível no cenário político e econômico de Portugal.

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