Filip Calixto   |   25/08/2025 09:15
Atualizada em 25/08/2025 09:34

Extinção do PERSE abre debate sobre legalidade tributária; leia artigo

Artigo de Leonardo N. Volpatti analisa impactos da medida e questiona a legalidade do procedimento

Divulgação
Leonardo N. Volpatti é advogado com atuação especializada no setor de Turismo e eventos
Leonardo N. Volpatti é advogado com atuação especializada no setor de Turismo e eventos

A decisão da Receita Federal de extinguir o PERSE (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) é o ponto de partida do artigo "Quando a lei é ignorada: o caso do PERSE e o risco à segurança jurídica", assinado por Leonardo N. Volpatti, advogado especializado no setor de Turismo e eventos.

No texto, o autor sustenta que o procedimento adotado para declarar o fim do programa apresenta vícios formais e materiais, além de gerar insegurança jurídica para os contribuintes. Ele relembra precedentes do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a necessidade de respeitar princípios constitucionais, como a anterioridade tributária, e afirma que a extinção do benefício desconsiderou exigências previstas em lei.

Segundo Volpatti, o caso do PERSE levanta um debate mais amplo sobre os limites da atuação administrativa e a importância da preservação da legalidade e da segurança jurídica no sistema tributário brasileiro.

Leia o artigo na íntegra logo abaixo:

Quando a lei é ignorada: o caso do PERSE e o risco à segurança jurídica

A insegurança criada pela Receita Federal pode virar oportunidade para reafirmar direitos fundamentais dos contribuintes do setor

Em tempos de decisões judiciais que reconhecem o caráter arrecadatório de um tributo criado para não ser arrecadatório - como no caso do IOF -, os mais céticos podem acreditar que o direito tributário brasileiro desce ladeira abaixo na perigosa encosta da insegurança jurídica. Apesar disso, “se ainda houver juízes em Berlim” — ou em Brasília, para quem preferir —, é provável que a Súmula 544 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece que “isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”, ainda sirva de norte no julgamento do PERSE.

Se não pela via da irrevogabilidade da isenção, ao menos pela proteção constitucional da anterioridade tributária. Desde 2004, com voto pioneiro do ministro Marco Aurélio, o STF tem reiterado que benefícios fiscais não podem ser suprimidos sem respeito ao princípio da anterioridade, justamente para evitar que contribuintes sejam surpreendidos com majorações tributárias repentinas. Mais recentemente, no julgamento do Reintegra, a Corte consolidou entendimento de que a redução de benefício fiscal equivale a aumento indireto de carga tributária e, por isso, deve respeitar a anterioridade nonagesimal. A tese de repercussão geral foi clara:

“As reduções do percentual de crédito a ser apurado no REINTEGRA, assim como a revogação do benefício, ensejam a majoração indireta das contribuições para o PIS e COFINS e devem observar, quanto à sua vigência, o princípio da anterioridade nonagesimal, previsto no art. 195, § 6º, da Constituição Federal, não se lhes aplicando o princípio da anterioridade geral ou de exercício, previsto no art. 150, III, b.”

Se assim foi no Reintegra, por que seria diferente no PERSE?

Os vícios de origem do PERSE

A discussão atual sobre o futuro do programa não pode ser analisada sem considerar que o PERSE já nasceu envolto em tensões políticas e jurídicas. Criado em 2021 para socorrer um setor devastado pela pandemia, o benefício rapidamente se tornou alvo de tentativas de extinção pelo Executivo. Em 2022, 2023 e 2024, medidas provisórias e projetos buscaram restringir ou suprimir o programa, mas o Congresso Nacional, em votações expressivas, sempre manteve sua vigência, ainda que impondo ajustes.

Foi nesse contexto que surgiu o art. 4-A da Lei nº 14.859/2024, fruto de um acordo político: o benefício teria um teto fiscal de R$ 15 bilhões e só poderia ser extinto após comprovação, em audiência pública no Congresso Nacional, de que o limite havia sido atingido. Essa cláusula foi redigida com precisão: exigir a participação de deputados e senadores em sessão conjunta, dando legitimidade e publicidade máximas à decisão.

A manobra da Receita Federal

O que ocorreu em 2025, no entanto, foi uma distorção. A Receita Federal, a pedido do governo, apresentou dados de projeção (e não de gasto efetivo) em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento (CMO), um foro reduzido composto por apenas 42 parlamentares. E, com base nesse evento, editou o ADE nº 02/2025, publicado em 24 de março, declarando extinto o benefício a partir de 1º de abril.

Dois vícios aparecem de imediato:

  1. Foro inadequado – a lei exigia audiência no Congresso Nacional, em sessão conjunta, não em uma comissão. Essa diferença não é mero detalhe formal: uma coisa é a deliberação de todo o Parlamento (594 membros), outra é um debate restrito a 42 parlamentares.
  2. Uso de projeções – a lei exigia dados efetivos, constantes em relatórios bimestrais. O próprio secretário da Receita admitiu em audiência que trabalhava com estimativas.

Esses vícios formais e materiais contaminam a validade do ato administrativo e comprometem sua legitimidade.

Consequências para os contribuintes

O impacto para o setor é direto. A extinção repentina surpreendeu contribuintes, que passaram a ter de recolher tributos em abril sem o tempo constitucional de adaptação. Isso afronta os princípios da anterioridade anual e nonagesimal, que funcionam como escudos contra a tributação inesperada.

Mais do que isso, está em jogo a própria natureza do PERSE: se se trata de isenção tributária, sua revogação antes de 2027 viola o art. 178 do CTN, que protege isenções concedidas sob condição onerosa. Se, ao contrário, for visto como um benefício de alíquota zero, o mínimo que se espera é o respeito à anterioridade. Em ambos os cenários, os contribuintes têm argumentos sólidos para buscar o Judiciário.

Respeito ao legislador e à legalidade

Outro ponto fundamental é o respeito ao legislador. O art. 4-A foi incluído justamente para condicionar a extinção do programa a um foro qualificado de deliberação política. Ao ignorar essa exigência, o Executivo não apenas atropelou a lei, mas desconsiderou o pacto político construído entre governo e Congresso.

Como lembram os grandes juristas e intérpretes do direito, como Humberto Ávila, Sérgio André Rocha, Guastini, Alexy e o saudoso tributaristaPaulo de Barros Carvalho, não há espaço para interpretações administrativas que flexibilizem conceitos claros da lei. A expressão “Congresso Nacional” tem um sentido técnico-jurídico preciso: sessão conjunta das duas Casas. Reduzi-lo a uma comissão é manipulação semântica que compromete a segurança jurídica e mina a confiança do contribuinte.

Conclusão

O setor de turismo e eventos, que foi obrigado a parar suas atividades por ato do Estado, já sofreu mais que qualquer outro nos anos de pandemia, não pode ser penalizado novamente com surpresas fiscais e instabilidade jurídica. O PERSE pode até ter prazo de validade, mas esse prazo deve ser respeitado segundo a lei e a Constituição.

Ao fim, resta a esperança de que o STF mantenha a coerência de sua própria jurisprudência, como no caso do Reintegra, e reafirme que benefícios fiscais não podem ser extintos sem respeito ao devido processo legislativo e à anterioridade tributária.

O que se espera é simples: justiça, legalidade e segurança jurídica. Se ainda houver juízes em Brasília, o PERSE deve terminar a favor dos contribuintes.

Leonardo N. Volpatti
Advogado com atuação especializada no setor de turismo e eventos



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