Karina Cedeño   |   23/04/2024 08:00 Atualizada em 23/04/2024 15:57

Turismo de saúde no Brasil: como entrar e lucrar neste mercado?

Setor de saúde no País deve chegar a US$ 13 bilhões em 2030, de acordo com dados da empresa Insights10


Adobe Stock
Conheça as especificidades deste segmento
Conheça as especificidades deste segmento

Entre 21 e 26 milhões de pessoas cruzaram fronteiras internacionais em busca de cuidados médicos e estéticos em 2019, antes da pandemia, de acordo com a consultoria especializada Patient Beyond Borders. O impacto dessas viagens foi entre US$ 74 bilhões e US$ 92 bilhões naquele ano, representando um gasto médio de US$ 3,55 mil por visita, incluindo custos relacionados a saúde, transporte, hospedagem e internação.

Essa prática, conhecida também como Turismo Médico ou Turismo de Saúde, tem crescimento estimado de 15% a 25% todos os anos, segundo a Associação de Turismo Médico dos Estados Unidos. Na América Latina, o mercado de Turismo médico foi estimado em mais de US$ 7 bilhões em 2022 e espera-se que ultrapasse os US$ 17 bilhões até 2027, de acordo com dados da empresa alemã Estatista.

O Brasil e outros países em desenvolvimento, muitas vezes com tratamentos de alto padrão a custos mais baixos, atraem viajantes de países como Estados Unidos e Canadá e bem podem explorar este mercado. Os custos menores para tratamentos são tão atrativos na região que muitas empresas nos Estados Unidos passaram a oferecer a seus funcionários planos de saúde com a opção de viajar para um país latino-americano para receber tratamento médico.

Mas vale observar que a competitividade entre as nações neste segmento é muito grande, e o Brasil, ainda que ofereça tratamentos médicos e estéticos a preços que são 20% a 30% menores do que os cobrados nos Estados Unidos, perde para outros países com ofertas ainda melhores, como Singapura, México, Costa Rica, Turquia, Tailândia, Malásia e Índia, considerados os principais destinos de Turismo médico no mundo, de acordo com a organização Patients Beyond Borders.

Brasil: a mina de ouro da cirurgia plástica

O Brasil é altamente procurado por estrangeiros a fim de tratar da saúde, mas é no segmento estético que o País é referência. Somos o segundo país no mundo que mais realiza cirurgias plásticas, ficando apenas atrás dos Estados Unidos, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS).

Em 2022, o número de intervenções cirúrgicas realizadas no Brasil ultrapassou os dois milhões. Segundo o Ministério do Turismo, os eventos de estética vêm impulsionando as viagens de negócios no País. Além dos custos menores em relação a outros destinos, a boa reputação dos cirurgiões plásticos brasileiros é bem consolidada mundialmente, o que acaba atraindo pacientes de outros países.

E o potencial do País para o Turismo médico não para por aí:

  • O mercado de saúde no País deve chegar a US$ 13 bilhões em 2030, de acordo com dados da empresa de pesquisa de mercado com foco em saúde Insights10;
  • O Brasil foi o primeiro, depois dos EUA, a receber o credenciamento da Joint Commission International (JCI) para seus centros médicos, que assegura os mais altos padrões internacionais de segurança e qualidade nos cuidados. Hoje existem mais de 50 centros médicos no País que atingiram com sucesso este padrão, considerado um dos mais elevados no mundo;
  • Uma gama diversificada de países contribui para o fluxo de turistas médicos ao Brasil. Embora os pacientes cheguem de todas as partes do mundo, a mais significativa vem de América do Norte, Europa e América Latina.

São Paulo: maior polo de Turismo Médico no Brasil

São Paulo é o maior polo de Turismo Médico no Brasil e o número de pessoas que se dirigem ao destino para tratamentos de saúde ou de estética mais do que dobrou nos últimos anos, de acordo com o Ministério do Turismo.

De todas as cirurgias plásticas realizadas no Brasil, o Estado de São Paulo concentra 34,4% delas e 60% são realizadas na capital, segundo pesquisa feita pela Gallup Organization, encomendada pela Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas (SBCP). Isso sem falar que a cidade recebe vários congressos médicos internacionais e feiras de estéticas, atraindo ainda mais turistas.

“São Paulo oferece hoje infraestrutura para todos os bolsos e gostos no que se refere a meios de hospedagem, hospitais e clínicas de tratamentos preventivos”, destaca o presidente do Visite São Paulo/SPCVB, Toni Sando. “Paralelamente a isso, há familiares que visitam seus parentes em tratamento e ficam hospedados para acompanhá-los, o que mostra a amplitude da cadeia de consumo do Turismo Médico. A pessoa que está em tratamento de saúde, cuidando da estética ou fazendo prevenção, assim como seus acompanhantes, come, dorme e compra. Tudo isso cria um movimento econômico no destino”, comenta Sando.

O grande desafio, segundo ele, é transformar o viajante em um visitante. “Por isso, investimos em programas de treinamento para taxistas, policiais militares, recepcionistas de hotéis e outros profissionais, sempre lembrando que as pessoas que estão com problemas de saúde estão mais sensíveis e precisam de cuidados especiais”. São Paulo também se destaca por ser um grande hub aéreo e rodoviário no Brasil, o que facilita a locomoção de turistas de saúde, inclusive daqueles que precisam de helicóptero.

PANROTAS / Emerson Souza
Toni Sando, presidente do Visite São Paulo/SPCVB
Toni Sando, presidente do Visite São Paulo/SPCVB

Recife: segundo maior polo médico do Brasil

Depois de São Paulo, Pernambuco possui o segundo maior polo de Turismo Médico do Brasil. Concentrado na capital, Recife, o polo médico conta com mais de dois mil centros de saúde - entre hospitais, clínicas e clínicas especializadas, além de laboratórios. Desses, 85% fazem parte da rede privada enquanto o restante integra a rede pública. Somados, totalizam mais de oito mil leitos hospitalares.

“O fato de Pernambuco ser o segundo principal polo médico do País representa não só a qualidade e excelência da medicina pernambucana, bem como possibilita novos negócios, eventos como congressos, fóruns, feiras, dentre outros, gera benefícios em outros setores como a ocupação da rede hoteleira e comércios locais, além de novos empregos e renda. Tudo isso impacta positivamente na economia do Estado”, destaca o presidente da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur), Eduardo Loyo.

Divulgação
Eduardo Loyo, presidente da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur)
Eduardo Loyo, presidente da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur)
  • Dados levantados pelo Setor de Pesquisas da Secretaria de Turismo e Lazer de Pernambuco e da Empetur estimam que cerca de 123 mil turistas que desembarcaram no Recife, no ano de 2022, tiveram a saúde como principal motivação da viagem. A saúde privada em Pernambuco, segundo dados do Sindicado dos Hospitais de Pernambuco (Sindhospe), fatura anualmente mais de R$7 bilhões e gera aproximadamente 100 mil empregos;
  • Apesar de São Paulo ser o principal polo médico do País, um dos fatores que podem ter influenciado a busca por Pernambuco está atrelado a questões de ordem financeira, já que o custo médico em São Paulo é mais elevado. A pesquisa ainda mostrou que o polo médico pernambucano atraí também estrangeiros, como é o caso dos turistas vindos de Portugal;
  • De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis em Pernambuco (ABIH-PE), há o planejamento de um projeto de Turismo de Saúde e Bem-Estar que visa estabelecer parcerias estratégicas entre empresas hoteleiras e hospitais de Pernambuco. O projeto encontra-se em um estágio inicial de negociação e estruturação,


Outras cidades brasileiras

Além de São Paulo e Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba também são pontos de referência para tratamentos de alto nível. Estas cidades têm excelente atendimento, clínicas de última geração e estrutura turística competitiva para receber os pacientes mais exigentes”, destaca Julia Lima, presidente da Associação Brasileira de Turismo de Saúde (Abratus).

Inativa, Abratus pretende se reorganizar para voltar

Fundada em 2010, a Abratus é uma entidade privada sem fins lucrativos que visa promover o Brasil como destino de Turismo médico e de saúde no Exterior. Tal promoção é realizada em parceria com os órgãos públicos oficiais brasileiros, como o Ministério do Turismo, a Embratur e Apex, entre outras entidades de classe. No entanto, o órgão está inativo há cerca de três anos.

“Durante o período da pandemia, apoiamos a importação de material hospitalar emergencial para o Brasil. Desde 2021 a organização está inativa. No momento, estou selecionando profissionais e empresários dos setores de Turismo e saúde no intuito de revitalizá-la. A intenção é utilizar o poder das novas tecnologias para promover nossa saúde eletiva. O objetivo é lançar um novo plano ainda neste semestre”, destaca Julia, que atualmente se dedica à consultoria e assessoria para expansão de negócios.

Tiago Trindade
Julia Lima, presidente da Associação Brasileira de Turismo de Saúde (Abratus), que está inativa desde 2021. Há planos de voltar
Julia Lima, presidente da Associação Brasileira de Turismo de Saúde (Abratus), que está inativa desde 2021. Há planos de voltar

As oportunidades do Turismo de Saúde no Brasil

Segundo Julia, o Brasil tem um imenso potencial neste mercado. “Minha estimativa é de que pelo menos 200 mil pacientes visitem Brasil neste ano, entre estrangeiros e expatriados, para fazer algum tratamento de saúde eletiva, seja estético, odontológico ou cosmético”. “Analisando a média dos gastos com estética e cirurgias plásticas e procedimentos odontológicos apenas, do ponto de vista do Turismo estamos falando de uma permanência média de três semanas no destino. Neste período, o turista precisa contratar cuidados especiais e tem tempo, desejo e disposição para fazer passeios. O investimento médio do turista de saúde gira em torno de US$ 15 mil. Sem dúvida, é um potencial muito grande”, comenta Julia.

Agências de viagens: como se aproveitar do Turismo Médico?

Mas como o País pode combinar de forma eficaz sua oferta médica com o potencial turístico? Receptivos e agentes de viagens podem buscar parcerias com clínicas e hospitais, operar pacotes customizados para pacientes e familiares, considerando que mais de 80% dos pacientes viaja acompanhado de ao menos uma pessoa. “Outra possibilidade é desenvolver um departamento de concierge nas clínicas, conectando também os diversos serviços periféricos do tratamento principal, inclusive spas, cabeleireiros, personal shopper ou entretenimento VIP”, destaca Julia.

E a hotelaria?

Os hotéis, por sua vez, podem desenvolver suas instalações para ir além, gerando parceria com clínicas médicas, spas e hospitais, recebendo turistas de saúde antes, durante e após procedimentos e disponibilizando serviços periféricos via concierge.

“Temos que manter em mente que o Turismo médico é uma modalidade diferente das outras porque o turista vai escolher estrutura e serviços que sejam pertinentes, autorizados e somente após escolher o mais importante daquela viagem: o médico com quem vai se tratar”, destaca a presidente da Abratus. Ela diz não ter conhecimento de empresas que atuam exclusivamente com Turismo Médico no Brasil.

“O que acontece no mercado é que empresas de saúde estão agregando a hospitalidade aos seus negócios, como os hospitais Blanc em São Paulo e Porto Alegre, ou o tradicional Hospital Moinhos de Vento, na Capital Gaúcha. Muitos hospitais conhecidos possuem departamentos de concierge preparados para atender turistas médicos. Eles possuem parcerias com hotéis como Sheraton, Hilton e Blue Tree, proporcionando o conforto dos pacientes durante suas passagens pela cidade”, comenta Julia.

O presidente da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur), Eduardo Loyo, também cita dicas para os hotéis que querem entrar no segmento de Turismo Médico:

  • Buscar estabelecer parcerias e convênios com centros de saúde ou agências de viagens, para fechar reservas com esses turistas que chegam por motivos de saúde;
  • Levar em consideração a possibilidade de se trabalhar com valores e pacotes mais atrativos para esses turistas, que muitas vezes vêm acompanhados por algum familiar e precisam ficar hospedados por vários dias;
  • Buscar ofertar algum diferencial para atrair o turista;
  • Investir em um ambiente que favoreça e contribua para a recuperação desse hóspede, acessibilidade em hipótese alguma deve ser deixada de lado;
  • Buscar sempre investir em capacitações para melhor atender esse hóspede que está em tratamento médico;


“Tive problemas com a hotelaria”, diz Ibrahim Tahtouh

O presidente da IT Mice Travel Solutions, Ibrahim Georges Tahtouh, foi pioneiro na criação de iniciativas voltadas ao Turismo de saúde no Brasil. Em 1999, ele criou o Saúde São Paulo, programa voltado ao Turismo de Saúde que tinha como objetivo aumentar a permanência do turista na capital paulista.

“Em vez de o visitante chegar de manhã para um evento e ir embora à noite, ele poderia aproveitar para cuidar da sua saúde na cidade”, conta o presidente da IT Mice Travel Solutions. “A ideia do programa era que o turista viesse dias antes do evento com acompanhante para São Paulo e fizesse um check-up personalizado, agendando exames necessários. Nesse período, ele ficaria em um hotel, teria uma dieta específica para se preparar para os exames, faria esses exames e depois teria atividades de lazer na cidade, como visita a museus, shows, teatro”.

O objetivo do Saúde São Paulo era oferecer um atendimento completo aos turistas de saúde na capital paulista, com serviços que incluíam até transfer do hotel para o hospital e vice-versa. Mas Ibrahim Tahtouh percebeu que os hotéis não estavam preparados. “Tive problemas com a hotelaria, os empreendimentos não tinham quartos para cuidados especiais desses turistas, nem dietas especiais, faltava entendimento. Comecei a ministrar treinamentos para mostrar que o turista de saúde é diferente e tem outras necessidades, criei até um questionário para os hotéis listarem as farmácias, igrejas e templos próximos, pois as pessoas ficam apegadas à religião quando estão com problemas de saúde. Alguns hotéis pegaram a ideia e começaram a fazer contato com hospitais próximos, mas de forma geral, vejo que a maioria deles só pensa em vender diária e não tem entendimento sobre o Turismo de Saúde”, destaca ele, que com a chegada da pandemia e o trabalho que teria para recomeçar tudo do zero, acabou deixando o projeto de lado.

PANROTAS / Emerson Souza
Ibrahim Tahtouh, presidente da IT Mice Travel Solutions
Ibrahim Tahtouh, presidente da IT Mice Travel Solutions

Segmento ainda não é prioridade para órgãos de Turismo no Brasil

Verdade seja dita: o segmento de Turismo Médico não é prioridade para os órgãos nacionais de Turismo do Brasil, ao contrário do que acontece em países como Tailândia, Índia, Cingapura e Malásia, onde há incentivo governamental para a entrada do turista médico-hospitalar. Julia Lima observa que existem grandes barreiras para pequenas e médias empresas acessarem o mercado, além de outros problemas, como:

  • Obter números fiéis sobre a demanda interna. O Ministério do Turismo nunca desenvolveu uma pesquisa que pudesse demonstrar quantas pessoas viajam dentro do Brasil para tratamentos eletivos de saúde anualmente;
  • Articulação mercadológica. São pouco consistentes as ações geridas pelo setor para atração estruturada de pacientes. Além dos acordos dos grandes hospitais com seguradoras de saúde internacionais, que é outro jogo. É preciso investir na captação de clientes. E este é um ponto cego de profissionais de saúde, que pode se tornar chave para agentes de Turismo e marketing, na opinião de Julia


“Minha experiência demonstra que burocratas atrapalham o desenvolvimento deste mercado, os empresários e agentes levam vantagem ao comercializar serviços de saúde eletiva de alta qualidade no Exterior por razões óbvias, como o câmbio favorável para Europa e América do Norte, a alta qualidade já percebida como imagem dos cirurgiões plásticos brasileiros, além do costumeiro calor hospitaleiro do nosso povo. Resta saber se os agentes serão responsáveis ao desenvolver parcerias seguras para pacientes de todo o mundo, tendo em vista que a responsabilidade jurídica é fundamental pilar para o desenvolvimento de negócios no setor de saúde", diz Julia Lima, da Abratus.

O visto pode ser considerado um empecilho?

A exigência de visto também pode se tornar um empecilho ao Turismo Médico, de acordo com o presidente da IT Mice Travel Solutions, Ibrahim Tahtouh. “O visto é um problema, pois uma pessoa que vai fazer uma cirurgia, por exemplo, pode não estar em condições de saúde para ir ao consulado”, destaca Ibrahim. Alguns países já emitem vistos específicos para o Turismo médico. É o caso da Tailândia, que no ano passado passou a emitir vistos com validade de um ano, para que os requerentes possam permanecer este período no destino, sem a necessidade de vários pedidos de visto.

Exemplo de fora

Enquanto o Brasil não impulsiona ações relacionadas ao Turismo de Saúde, dá para se inspirar no que vem sendo feito no Exterior. Alguns exemplos são:

  • Na Malásia, a Associação Malaia de Agentes de Turismo e Viagens (Matta) é a favor de que o governo ofereça incentivos aos agentes de viagens para encorajá-los a vender produtos de Turismo médico no Exterior. O presidente da associação, Nigel Wong, diz que os incentivos certos tornariam os agentes de viagens mais inclinados a promover o Turismo médico no país, adaptando suas promoções a países específicos que buscam tratamento médico no Exterior;
  • Ainda na Malásia, o presidente da Associação de Hospitais Privados do país (APHM), Dr. Kuljit Singh, acredita que uma colaboração público-privada seja crucial para impulsionar a indústria, por meio da cooperação entre o governo e as companhias aéreas com conectividade mais ampla com os países-alvo no Turismo Médico;
  • Na Costa Rica, o plenário legislativo aprovou um projeto de lei que cria uma comissão interinstitucional para fomentar os serviços de Turismo de saúde no país; mas ainda não foi definida nenhuma fonte de recursos frescos para o funcionamento desta comissão.


Esta matéria é parte integrante da Revista PANROTAS, Edição Melhores do Turismo PANROTAS AMADEUS, distribuída na WTM Latin America 2024:


Tópicos relacionados