Artur Luiz Andrade   |   21/06/2021 12:11   |   Atualizada em 21/06/2021 12:15

Editorial da semana: Ranço é o novo mal do Turismo

Editorial da Revista PANROTAS 1.746

"A vaidade é um dos grandes desvios (de caráter?) do ser humano, e ela é universal, democrática e altamente sedutora. Quem não se lembra da cena final de Advogado do Diabo, quando o personagem de Keanu Reeves muda a profissão em sua história, mas não o “pecado” da vaidade, para deleite de Al Pacino.

Somada ao poder, a vaidade é perigosa e ainda mais tentadora. E somos todos vulneráveis a ela. Quem não tem vaidade que atire a primeira pedra. Quem não tenta controlar a mesma, pode guardar a pedra no bolso.

Temos que conviver com a vaidade, assim como tantos outros deslizes e desvios tentadores.

Mas e o ranço, hein? O ranço tem dividido o mundo, as pessoas e está cada vez mais enraizado no nosso querido e confraternizador trade de Turismo.

O ranço vai de uma implicância (tipo “o santo não bateu”) ao boicote e incentivo ao cancelamento de alguém. O ranço divide, corrói, isola, engana, destrói o diálogo.

Na década de 1990, quando comecei no Turismo, me impressionou (e até assustou) o modo como algumas empresas, especialmente as aéreas, lidavam com a distribuição (até então dividida entre telefone, lojas próprias e agências de viagens). Havia verdadeiras panelinhas e reservas de mercado. A Varig era especialista nisso, a ponto de uma empresa como a Advance ter amargado anos tentando vender a companhia de bandeira.

Pois a reserva de mercado e as panelinhas foram obrigadas a sumir com a chegada da internet nos anos 2000 (mas não sumiram em definitivo, pois vira e mexe estoura um escândalo de favorecimento, não é mesmo?) e os novos tempos nos trouxeram a multicanalidade, a remuneração variável pela distribuição, o sonho (para alguns fornecedores) da venda 100% direta e... o ranço.

Não sabemos se por vaidade ou pela onda dicotômica herdada da política (ou você é ultra direita ou comunista, sem nuances e qualquer outra forma de pensar e agir politicamente), mas alguns de nós, quero crer que não todos, foram se fechando em bolhas de ranço e o diálogo, a parceria ou a construção de uma comunidade do Turismo ficou quase inviabilizada.

ENTIDADES E MEGAENTIDADE
Daí a grande quantidade de entidades (parabéns a Aviesp e Abav-SP pelo projeto ousado, corajoso e necessário de união de forças, despindo-se de vaidades e briga por poder), de grupos (especialmente no WhatsApp), de comitês, de comissões, de frentes de debates, de eventos (falando a mesma coisa para o mesmo público com os mesmos debatedores)... Uma grande quantidade de líderes das próprias bolhas, mas que, por causa do ranço, não dialogam com os demais.

Está mais que na hora, no tema associações do Turismo, de termos uma mega entidade estratégica, que trate dos assuntos macro, que represente a indústria de Viagens e Turismo (lazer, corporativo, eventos, parques, atrações, seguro viagem, agências de viagens, operadoras, meios de hospedagem, empresas de tecnologia, locadoras, receptivos, imprensa especializada, guias de Turismo, destinos, DMCs e tantos outros players) em discussões abrangentes, especialmente com o governo e órgãos públicos, de todas as esferas, e com a sociedade.

Essa entidade não acabaria com as demais, que passariam a ter tempo e recursos para se dedicarem a seus associados – de treinamentos a eventos, da relação com fornecedores a temas que vão do marketing às melhores práticas de vendas. As estratégias maiores, as negociações com os governos, as questões legais e a promoção do Turismo com toda sua força e representatividade ficariam com a nova entidade, que nem precisa inventar a roda, basta se inspirar e aprender com o modelo da US Travel Association (fruto da fusão da Travel Industry Association com outras entidades afins).

A US Travel senta com a Casa Branca, ajuda os governos estaduais, promove os Estados Unidos internacionalmente, e a Asta, a Ustoa, as associações de hotéis e de todos os demais segmentos continuam existindo e evoluindo. A própria Asta, há poucos anos, deu uma repaginada e fez uma reviravolta interna, passando, entre outras coisas, a denominar seus associados de consultores de viagens (travel advisors) e não mais agentes de viagens (travel agents). Ou seja, enquanto a US Travel mudava sua forma de agir, as entidades independentes também. Evoluir é para todos.

Vamos vencer o ranço e achar espaço para todos. Com o topo da montanha dedicado ao Turismo mais forte, mais representativo, mais unido. Sem ranço, administrando vaidades, dialogando e às vezes debatendo, defendendo causas, mas também as diversas classes, se adiantando aos avanços tecnológicos e correndo atrás quando eles chegam primeiro (e geralmente é o que acontece).

Muitas vozes no debate. Múltiplas vozes na promoção e nas sugestões para o setor. O Turismo é múltiplo e diverso. Mas em alguns momentos precisa de estratégia, coordenação e organização. Se organizar, todo mundo fala, todo mundo é ouvido. Ninguém atravessa ninguém.

O Turismo precisa de suas associações (talvez não de tantas) e da voz ativa dos associados (e dos que estão unidos em grupos ou fóruns independentes). Mas também precisa de uma Associação Brasileira de Viagens e Turismo. Já temos candidatos para a missão. E vocês? Quem indicariam para liderar a iniciativa privada do Turismo nessa jornada?

Artur Luiz Andrade, editor-chefe e CCO"

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