Filip Calixto   |   03/06/2025 14:58
Atualizada em 04/06/2025 15:13

Mentoria Preta: o poder da intencionalidade com Jaime Almeida

Apoiador do projeto reflete sobre os desafios da introdução de negros em lideranças corporativas

Arquivo Pessoal
Jaime Almeida é conselheiro do Instituto Pactuá e vice-presidente da FESA Group
Jaime Almeida é conselheiro do Instituto Pactuá e vice-presidente da FESA Group

Num país onde mais da metade da população é negra, por que essa maioria ainda ocupa uma minoria dos cargos de liderança nas empresas? Essa é a pergunta que guia boa parte da trajetória de Jaime Almeida, conselheiro do Instituto Pactuá, vice-presidente da FESA Group e referência nacional em diversidade corporativa. Ele é uma das mentes por trás do projeto Mentoria Preta, uma iniciativa lançada pela PANROTAS para promover a ascensão de profissionais negros no setor de Turismo — e, mais do que isso, para romper com um ciclo histórico de exclusão.

"Pessoas negras precisam ser significativamente melhores para ocupar o mesmo espaço que pessoas brancas"

Jaime Almeida, do Instituo Pactuá

Essa frase dita por Almeida durante entrevista à PANROTAS é mais do que um diagnóstico — é um retrato cru de uma realidade persistente. Para ele, as barreiras enfrentadas por profissionais negros são múltiplas, complexas e, muitas vezes, silenciosas. Parte delas começa na formação e na entrada no mercado de trabalho, mas se aprofunda com o passar dos anos dentro das organizações.

Mentoria Preta: onde estão os líderes negros no Turismo?

O Mentoria Preta nasceu com uma missão clara: impulsionar profissionais negros do setor de Turismo para cargos de alta liderança — como diretoria e C-Level. A proposta é fazer isso de forma estruturada, conectando talentos que já ocupam cargos de gerência, coordenação ou supervisão com mentores experientes, todos líderes atuantes em grandes empresas do setor.

Jaime Almeida facilita o processo ao lado dos mentores, nomes como Denis Tassitano (SAP Concur), Jurema Monteiro (Prospectiva LAT.AM), Wellington Melo (Hotel Unique) e outros executivos que carregam a missão de não apenas compartilhar conhecimento, mas abrir portas.

O diferencial do programa está em seu processo seletivo: todos os candidatos passam por um mapeamento de perfil profissional com base na metodologia Personal Map, desenvolvida por Nilton Clácio. Essa ferramenta permite identificar com mais precisão os talentos, valores e objetivos dos mentorados, facilitando o match ideal com os mentores.

"Essa é a primeira onda de mentoria para, depois, conseguirmos fazer a segunda, a terceira... É um projeto que veio para ficar", afirmou Denis Tassitano

"Nos meus primeiros 20 anos como professor, tive menos de 15 alunos negros"

Durante a entrevista, Jaime Almeida compartilhou um dado pessoal que ecoa como um alerta sobre a desigualdade de base: "Nos meus primeiros cinco anos como professor universitário, tive menos de dez alunos negros. Nos 12 anos seguintes, na pós-graduação, tive cinco. Isso até a pandemia", revelou.

O problema, para ele, vai muito além da ausência. O executivo explica que mesmo quando pessoas negras conseguem chegar à universidade, enfrentam um novo conjunto de barreiras: são vistas como menos preparadas, questionadas sobre sua competência e frequentemente excluídas de programas de liderança.

"Isso mexe com o sistema de autoconfiança das pessoas negras. Não é raro encontrar alguém de pele preta que não se sinta confiante o suficiente para entrar num processo seletivo", pontuou.

Essa sensação de inadequação, segundo Jaime, não é fruto de insegurança pessoal, mas sim o efeito de um sistema que historicamente marginalizou corpos e trajetórias negras.

Arquivo Pessoal
O professor Jaime Almeida com uma das suas turmas de alunos
O professor Jaime Almeida com uma das suas turmas de alunos

Racismo estrutural não se corrige com boas intenções — é preciso agir com estratégia

Para mudar esse cenário, Almeida defende uma postura intencional das empresas, especialmente no setor de Turismo, onde a representatividade negra ainda é extremamente limitada.

"São 56% de negros no País. Se a empresa conhece sua realidade local, passa a ter consciência. A partir daí, precisa agir com intencionalidade", argumenta.

A proposta é clara: deixar de confiar nos "caminhos naturais" de recrutamento e promoção — caminhos que, em sua estrutura atual, perpetuam desigualdades — e passar a implementar estratégias com dados, metas e decisões conscientes.

Almeida cita como exemplo positivo a experiência da B3 (Bolsa de Valores), que realizou um processo seletivo afirmativo com currículos anônimos e entrevistas às cegas e aumentou em 60% a contratação de pessoas de grupos minorizados: "Isso mostra como os vieses, quando não neutralizados, impedem que a diversidade aconteça", ponderou.

Além da questão racial, ele também destaca a importância de olhar para as interseccionalidades, como gênero, deficiência e classe social. Para o professor, quanto mais marcadores sociais impactarem a trajetória de uma pessoa, mais barreiras ela enfrentará para alcançar a liderança.

Para liderar, é preciso se conhecer — e resistir

Ao final da entrevista, Jaime Almeida compartilhou um conselho direto, mas potente, para quem deseja alcançar cargos de liderança:

  1. Autoconhecimento
    "Muitas vezes, nascemos na periferia, abrimos mão da infância, enfrentamos batalhas desde cedo. Conhecer essa jornada dá clareza sobre tudo que foi desenvolvido — inclusive habilidades que não estão em nenhuma job description, como audácia e diplomacia".
  2. Educação continuada
    "Idiomas, graduação, MBA — isso precisa ser buscado constantemente".
  3. Ocupar espaços com estratégia
    "Sim, é possível. Sim, todos têm merecimento. Mas é preciso entrar nos espaços preparados, com coragem".

"Não tem fim. A atualização é contínua"

Jaime Almeida

Mentoria Preta: mais do que uma mentoria, uma rede de transformação

A primeira edição do projeto já encerrou o período de inscrições e agora segue para a fase de seleção dos mentorados. Além da mentoria de seis meses, todos os inscritos — independentemente de serem selecionados — passarão a integrar uma rede exclusiva no setor de Turismo, com acesso a conteúdos especiais, encontros presenciais e masterclasses.

Esse modelo cria um ecossistema que vai muito além do acompanhamento individual. É a semente de uma nova cultura organizacional no Turismo, onde liderança negra não seja exceção, mas possibilidade concreta.

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