Nathalia Ribeiro   |   08/03/2022 09:05
Atualizada em 08/03/2022 09:13

Mulheres lutam por representatividade e igualdade no Turismo

Lideranças femininas do Turismo pontuam a disparidade entre homens e mulheres no Trade


PANROTAS / Emerson Souza
Magda Nassar, presidente da Abav Nacional
Magda Nassar, presidente da Abav Nacional
As mulheres são a maioria da população brasileira e têm uma participação massiva no Turismo, trabalhando nas mais diversas funções, algumas das quais anteriormente designadas como apenas masculinas, como pilotar uma aeronave, fazer a manutenção da mesma ou até comandar uma empresa, seja ela uma rede hoteleira ou uma agência de viagens. As mulheres constituem uma presença significativa no setor, apesar de não terem uma representatividade proporcional nos cargos de liderança.

Um estudo realizado pela Pace Group e Hub Leaders em 2021 aponta os países da América Latina com a maior ausência de mulheres em cargos de lideranças em suas empresas. O Chile ficou em primeiro lugar atingindo a marca de 73%, em seguida, Argentina com 67%, México totalizando 65% e o Brasil registrando 60%.

Ainda que a pesquisa seja sobre a América Latina e atinja todos os setores econômicos, estudos nacionais como alguns dos comandados pela professora e pesquisadora da USP, além de presidente do conselho de Turismo da FecomércioSP, Mariana Aldrigui, mostram a mesma realidade na indústria do Turismo no Brasil.

“Há quase 100 anos falamos sobre o Turismo como uma potência econômica no Brasil e, ainda que tenhamos vivido uma explosão de cursos e a consequente qualificação na década de 1990, foi em 2014 que vivemos o melhor ano da história do setor” diz, complementando que “a expectativa era grande em 2019 e esperávamos um 2020 com muitas oportunidades e resultados, quando entramos em pandemia”.

O estudo liderado por Mariana Aldrigui indica que a maioria dos países que dependem do Turismo para preservar seus empregos, ficou em uma situação muito delicada. “No Brasil, ainda temos 40 mil vagas formais para serem recriadas a ponto de chegarmos aos patamares de 2019. E sabemos que a maioria dessas vagas serão priorizadas para homens, parte por demanda das empresas, parte por definição das próprias famílias”, pontua a pesquisadora.

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Mariana Aldrigui, presidente do conselho de Turismo da Fecomércio-SP
Mariana Aldrigui, presidente do conselho de Turismo da Fecomércio-SP
Diante dessas barreiras encontradas em relação à contratação e valorização da mão de obra feminina, a presidente da Abav Nacional, Magda Nassar, em entrevista à PANROTAS, aponta que o Turismo ainda mostra um cenário carregado pelo machismo estrutural. “Nós ainda temos um setor extremamente masculino, de lideranças e proprietários masculinos, então nós temos um longo caminho a percorrer. Eu comecei a trabalhar há 35 anos em um Turismo muito machista e sigo nesse mesmo contexto, onde a mulher precisa criar mecanismos para que ela não se deixe sucumbir pelo machismo”, observa a presidente.

Magda ainda questiona o fato de o Turismo possuir um enorme contingente de mulheres trabalhando, mas não ocupando espaços de decisão. “Como que o mercado tem um grande chão de fábrica de profissionais femininas e a maioria das lideranças é masculina? Não faz sentido. Significa que em algum ponto essas empresas adotam comportamentos machistas e isso não é mais admissível no mundo de hoje. Cabe a nós seres humanos, tanto homens como mulheres, ter um olhar mais apurado em relação as profissionais”, afirma.

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Ana Donato, da Imaginadora
Ana Donato, da Imaginadora
A percepção de Magda é compartilhada pela presidente da Imaginadora, Ana Maria Donato, que destaca o perfil das mulheres no mercado de trabalho e salienta as habilidades que elas têm, agregando valor ao desenvolvimento do setor. “As mulheres são mais dedicadas e abertas ao autoconhecimento. É interessante o quanto nós somos criadoras, criativas, além de sensíveis. Isso no mercado de viagens, que possui um produto que é feito para emocionar e encantar, é benéfico. As mulheres têm esse talento de forma natural”, aponta a executiva.

AVIAÇÃO

A aviação é um outro setor que ao longo dos últimos anos nota-se um crescente número de mulheres em cargos como pilotos e mecânicos. De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o número de mulheres com licença para voar como piloto comercial de avião subiu 64% de 2015 a 2018. Apesar do crescimento, as mulheres ainda são minoria na classe dos pilotos. Enquanto elas são 3% com licença para voar, eles somam 97%.

"É crucial que a alta liderança esteja engajada e que o propósito da empresa em avançar em diversidade e inclusão seja genuíno e cascateado em todos os níveis da organização, mantendo desta forma, um diálogo aberto sobre como podemos evoluir todos juntos; na maioria das situações, o líderes tem o poder da decisão, mas todos na empresa devem ter a oportunidade de desafiar o status quo", afirma a country manager da United Airlines, Jacqueline Conrado.

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Jacqueline Conrado, country manager da United Airlines
Jacqueline Conrado, country manager da United Airlines
Segundo dados da Anac, dos mais de 70 mil profissionais de aviação com licenças ativas, contando comissários, pilotos e mecânicos, apenas 13% são mulheres. O setor de manutenção é o que mais apresenta ausência delas, com cerca de 3% de postos ocupados por mulheres.

"Representatividade importa muito. Dificilmente somos algo ou almejamos ser alguém que não vemos. Representatividade nas áreas técnicas, por exemplo, é essencial. As mulheres podem e devem atuar onde quiserem: manutenção, tecnologia, planejamento de malha, revenue management. Aviação é um setor apaixonante, com diversas áreas complexas e interessantes onde, certamente, podemos ter mais representatividade feminina", diz Jacqueline.

No entanto, Jacqueline pontua que não basta ter mais oportunidades para mulheres no mercado, também é preciso obter condições salariais equiparadas. " A diferença salarial ainda é bastante presente. Mulheres, em geral, ganham cerca de 30% a menos que homens para desempenhar o mesmo papel e, quando fazemos esse recorte para mulheres negras, essa diferença aumenta para 47%. Isso é inadmissível. Oferecer oportunidades iguais e remuneração iguais são urgentes".

Para a executiva da United, está mais do que provado que, companhias com altos índices de diversidade em seu quadro de colaboradores, em todos os níveis, incluindo representatividade na alta liderança, tem melhores resultados financeiros se comparado com as que não tem, são mais inovadoras, tem maior índice de satisfação dos clientes, retenção de talentos e melhor reputação.

MULHERES NO MUNDO CORPORATIVO

Das 508 empresas listadas no banco de dados da BM&F Bovespa, 197 (38,7%) delas têm pelo menos uma mulher no conselho de administração e 165 (32,48%) possuem uma conselheira efetiva, de acordo com dados do IBGC — Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, divulgados no final de 2021. Em porcentagem, ainda que em crescimento, os números significam uma presença muito inferior à dos homens em cargos de decisão.

A bandeira da equidade de gênero também foi uma prioridade no Fórum Econômico Mundial em 2018. Desde então, os dados são alarmantes e mostram, a partir de relatório divulgado em 2021, que serão necessários mais de 268 anos para que a disparidade de gênero seja completamente erradicada.

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Giovana Jannuzzelli, diretora-executiva da Alagev
Giovana Jannuzzelli, diretora-executiva da Alagev
Devido a tais desafios e pela necessidade de revisão imediata, o tema vem ganhando relevância e entrando na pauta de empresas e eventos ligados à indústria, entre os quais estão a Lacte, promovido pela Alagev — Associação Latino-Americana de Gestão de Viagens e Eventos Corporativos em sua 17ª edição, que acontece nos dias 8 e 9 de março, em São Paulo.

“É preciso que o mercado se conscientize desse gap que existe entre homens e mulheres para podermos atingir um equilíbrio. Precisamos trazer rodas de conversas, mostrar para as empresas que a equidade não pode ser mais um discurso vazio. Hoje a necessidade de inclusão está ali e não é mais uma opção, tem que ser praticada de forma verdadeira e consistente”, diz a diretora-executiva da Alagev, Giovana Jannuzzelli, apontando que um dos fatores que pode aumentar a liderança feminina é a mobilização do mercado.

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Viviânne Martins, da Academia de Viagens Corporativas
Viviânne Martins, da Academia de Viagens Corporativas
Segundo a sócia-diretora da Academia de Viagens Corporativas, Viviânne Martins, no País os empresários do Turismo já sabem que as mulheres têm como um skill importante a multifuncionalidade, no entanto, a executiva diz que ainda é preciso aprender que a maioria das mulheres pode através da criatividade e resiliência que possam dirigir mais empresas deste setor. “Acho que o Brasil tem sido um celeiro de homens na direção e aos poucos as mulheres enfrentam menos resistência, mas ainda somos a minoria na liderança”, completa Viviânne.

Para ela, as mulheres precisam acreditar que podem e devem investir em especialização para ocupar e reivindicar seus próprios espaços. ”Aproveito o nosso dia para encorajar as mulheres e dizer que nossa curiosidade nata pode ajudar muitíssimo a estudar o futuro e trazer bons e grandes diferenciais para nosso setor”, finaliza.

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