Artur Luiz Andrade   |   19/05/2014 13:24

“Vetos ao PL 5.120 prejudicam consumidor”

O advogado Joandre Ferraz, consultor jurídico de entidades de turismo, como a Clia Abremar, Abav-SP e o Sindetur-SP, analisou os vetos da presidente Dilma Rousseff ao PL 5.120 – a maioria dos quais por pressão de órgãos de defesa do consumidor.

O advogado Joandre Ferraz, consultor jurídico de entidades de turismo, como a Clia Abremar, Abav-SP e o Sindetur-SP, analisou os vetos da presidente Dilma Rousseff ao PL 5.120 – a maioria dos quais por pressão de órgãos de defesa do consumidor. Segundo Ferraz, os vetos não beneficiam e sim prejudicam o cliente e mostram que o poder público ainda desconhece como funciona a indústria do turismo. Ele sugere mobilização das entidades, mas acredita ser pouco provável a rejeição (por parte do Senado) aos vetos.

Leia sua análise abaixo:

OS VETOS DE ARTIGOS NA NOVA LEI DAS AGÊNCIAS DE TURISMO NÃO BENEFICIAM, MAS PREJUDICAM O CONSUMIDOR.

18mai2014/Joandre Antonio Ferraz

Ao completar, hoje, 44 anos de atuação no setor de turismo, vejo, mesmo após tanto tempo e três atos legais específicos sobre as agências de turismo, que os vetos a todos os artigos, 11 a 17, do Projeto de Lei n. 5.120 – promulgado como Lei n. 12.974, em 15 do corrente – tratando de sua responsabilidade, revelam que o Poder Executivo continua desconhecendo as funções de mercado por elas exercidas.

A única, singela e equivocada razão desse amplo veto foi a de que “regras previstas nesses dispositivos contrariam o interesse público ao afastar princípios gerais de proteção e defesa do consumidor, tais como a responsabilidade objetiva e solidária entre os fornecedores de produtos e serviços da cadeia produtiva, além de excepcionar a atuação dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.”

Ora, ao contrário do contido nessa razão de veto, originária do Ministério da Justiça, os dispositivos em questão reforçam a proteção e a defesa do consumidor, deixando clara a responsabilidade objetiva das agências de turismo pela intermediação ou operação que exercem, pela não identificação dos fornecedores intermediados e pelos sediados no Exterior que não tenham representante legal no Brasil.

Nesta linha, vale transcrever e, neste passo, comentar sinteticamente cada um dos dispositivos vetados, como segue:

Art. 11. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, as relações contratuais entre as Agências de Turismo e os consumidores obedecem ao disposto nesta Lei.

Clara está a explícita sujeição deste dispositivo aos princípios gerais de proteção e defesa do consumidor previstas no Código de Defesa do Consumidor, que, por ser de caráter geral e, sabidamente, mais focado em produtos do que em serviços, e, nestes, nos fornecidos diretamente, até recomenda regras setoriais específicas, como, por exemplo, as que tratam do contrato de transporte aéreo.

Art. 12. As Agências de Viagens respondem objetivamente pelos serviços remunerados de intermediação que executam.

De novo, clara e explícita está a responsabilidade objetiva das agências de turismo pelos danos, materiais e morais, que causar por fato (defeito que põe em risco a segurança pessoal do consumidor) ou vício (falha que reduz o valor) na prestação de seu serviço próprio, de intermediação, tenha, ou não agido ou deixado de agir por culpa (negligência ou imprudência) ou dolo (intenção de prejudicar)

Art. 13. A Agência de Viagens que intermediar a contratação de serviços turísticos organizados e prestados por terceiros, inclusive os oferecidos por operadoras turísticas, não responde pela sua prestação ou execução, salvo nos casos de culpa.

Parágrafo único. A Agência de Viagens é obrigada a informar ao contratante, no ato da contratação e em qualquer momento em que lhe for solicitado, o nome e o endereço do responsável pela prestação dos serviços contratados, além de outras informações necessárias para a defesa de direitos, sob pena de, não o fazendo ou não estando corretos os dados apresentados, responder solidariamente com o prestador dos serviços pelos danos causados.

Mais uma vez, o dispositivo vetado deixa claro que a agência de viagens responde por culpa pelos serviços de terceiros, por exemplo, deixa de informar que a piscina do hotel intermediado está em reforma, e responde solidariamente com o fornecedor do serviço intermediado que não identifique para o consumidor no momento da contratação, por exemplo, o nome do hotel reservado.

Art. 14. Ressalvados os casos de comprovada força maior, razão técnica ou expressa responsabilidade legal de outras entidades, a Agência de Viagens e Turismo promotora e organizadora de serviços turísticos será a responsável pela prestação efetiva dos mencionados serviços, por sua liquidação junto aos prestadores dos serviços e pelo reembolso devido aos consumidores por serviços não prestados na forma e extensão contratadas, assegurado o correspondente direito de regresso contra seus contratados.

Aqui, o dispositivo responsabiliza expressamente as chamadas operadoras de turismo pelos defeitos e falhas dos serviços por elas promovidos e organizados, função distinta da intermediação, pois, aqui, a agência de turismo assume a função de executora indireta desses serviços fornecidos por terceiros, chamando para si, não por solidariedade, o risco por danos deles decorrentes.

Art. 15. As Agências de Viagens e Turismo não respondem diretamente por atos e fatos decorrentes da participação de prestadores de serviços específicos cujas atividades estejam sujeitas a legislação especial ou tratados internacionais de que o Brasil seja signatário, ou dependam de autorização, permissão ou concessão.

Parágrafo único. Independentemente do disposto no caput deste artigo, as Agências de Viagens e Turismo serão responsáveis na forma da lei quando os serviços forem prestados diretamente por estas.

Este dispositivo, simplesmente, reitera a responsabilidade legal de transportadoras aéreas que operam no país e hotéis aqui localizados ou representados, inscrita, respectivamente, no Código Brasileiro de Aeronáutica e no Código Civil, vale dizer, em nada prejudica a proteção e a defesa do consumidor que contrata esses serviços por meio de agências de turismo.

Art. 16. A Agência de Turismo pode funcionar como mandatária do contratante, na busca de reparação material ou moral, caso exista previsão legal ou contratual nesse sentido, em eventos que não sejam objeto de responsabilidade da Agência.

Parágrafo único. O mandato considerar-se-á revogado, não podendo a Agência de Turismo exercer a prerrogativa prevista no caput, mediante simples manifestação do contratante.

A agência de turismo, mesmo no exercício de sua atividade de intermediação, tem a obrigação legal de prestar assistência ao consumidor junto aos fornecedores dos serviços por ele contratados, como, por exemplo, nos casos de reembolsos, para o que necessita ser por ele autorizado, se assim desejar, caso contrário não poderá fazê-lo. Ou seja, o dispositivo não prejudica o consumidor.

Art. 17. Os serviços turísticos para fruição no exterior, salvo quando seu prestador tiver representação no Brasil, serão de responsabilidade das Agências de Turismo que os operem ou vendam.

Este parece ser o mais equivocado veto, que em muito prejudica a proteção e a defesa do consumidor, visto que impõe de modo claro as responsabilidades pela reparação dos danos que lhe forem causados por fornecedores de serviços sediados no exterior e por ele contratados diretamente, por exemplo, por meio eletrônico.

Enfim, é pífia a razão dos vetos ora comentados, como já ocorrera quando do veto a parágrafo do art. 27, da Lei n. 11.771/2008, a chamada Lei Geral do Turismo, que tratava da responsabilidade das agências de turismo, igualmente originário do Ministério da Justiça, a saber, risco de abrir precedente aparentemente contrário ao Código de Defesa do Consumidor.

Por isto mesmo, não surpreende tenha esse Ministério reiterado sua proposta de vetos, sem, sequer, melhor esclarecer suas razões, após bem urdida divulgação na grande imprensa sobre os supostos malefícios que sua aprovação acarretaria para os consumidores dos serviços das agências de turismo, que, infelizmente, não sofreu contra-ataque do setor da mesma dimensão.

Resta, agora, esperar que as entidades representativas das agências de turismo consigam a improvável rejeição dos vetos junto ao Congresso Nacional, que aprovara o Projeto de Lei n. 5.120, onde o Executivo mantém folgada maioria e a opinião pública que chegou foi a da divulgação acima citada.

Caso contrário, terá sido em vão os treze anos de empenho no seu andamento e aprovação nas diversas comissões, desarquivamento e, finalmente, votação e aprovação em Plenário, pois as disposições vetadas aqui comentadas, ao menos em meu entender, representam a essência da propositura agora tornada lei.

Joandre Ferraz

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