Karina Cedeño   |   06/11/2025 09:29

Por que os ricos agora gastam com viagens de luxo e não com bens materiais?

Definição de luxo, antes medida por posses, agora é definida por acesso a lugares e experiências premium


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Gastos com viagens premium, hospedagens de alto padrão e experiências exclusivas continuam em ascensão no mundo todo
Gastos com viagens premium, hospedagens de alto padrão e experiências exclusivas continuam em ascensão no mundo todo

Dados e análises de mercado indicam que pessoas com alta renda estão transferindo seus gastos dos guarda-roupas para as viagens pelo mundo.

A definição de luxo, antes medida por posses, agora é definida por acesso a lugares, experiências e pela sensação de fazer parte de algo raro. Em meio à incerteza global, é a promessa da experiência, e não da propriedade, que continua impulsionando a economia do luxo.

Apesar da queda na demanda por moda de grife, acessórios e outros itens pessoais de luxo, os gastos com viagens premium, hospedagens de alto padrão e experiências exclusivas continuam em ascensão no mundo todo.

Confira, abaixo, algumas tendências observadas por empresas, consultorias e especialistas do setor.

1. Consumo de bens pessoais cai, enquanto o de viagens e experiências aumenta

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Viajantes abastados querem experiências que ofereçam autenticidade e status, sem o excesso material
Viajantes abastados querem experiências que ofereçam autenticidade e status, sem o excesso material

Relatórios das consultorias Bain & Company e McKinsey indicam uma divisão dentro do setor de luxo. A Bain prevê uma queda de 2% a 5% nas vendas globais de bens pessoais de luxo em 2025, refletindo a cautela dos consumidores e o menor interesse pelo consumo ostensivo.

Em contrapartida, a McKinsey projeta que os gastos globais com hospedagem de luxo ultrapassarão US$ 390 bilhões até 2028, ante os US$ 240 bilhões em 2023. Essa mudança reflete uma preferência crescente entre os viajantes abastados por experiências que ofereçam autenticidade e status, sem o excesso material.

2. Viajantes ricos estão dispostos a pagar por exclusividade

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Viajantes ricos continuam dispostos a pagar por conforto e exclusividade
Viajantes ricos continuam dispostos a pagar por conforto e exclusividade

Analistas observam que, enquanto o varejo de luxo desacelera, o setor de viagens continua se beneficiando do desejo pós-pandemia por liberdade. O The Economist relatou recentemente que hotéis como o Brown’s, em Londres (onde as suítes ultrapassam o valor de seis mil libras (US$ 8,1 mil) por noite) permanecem lotados, apesar da incerteza econômica global.

A publicação descreve lobbies movimentados e coquetéis caros como evidência de que viajantes ricos continuam dispostos a pagar por conforto e exclusividade.

“O mercado de luxo está passando por uma mudança estrutural”, aponta o relatório, destacando que os consumidores agora preferem “experiências únicas” a posses materiais. O número de pessoas de alta renda comprando bolsas e sapatos de grife diminuiu, enquanto as reservas em hotéis cinco estrelas, jatos particulares e tours de aventura sob medida seguem aumentando.

A empresa de dados de Turismo CoStar relatou que a receita por quarto disponível em hotéis de luxo superou a de todos os outros segmentos em todos os meses de 2025, comparado a 2024.

As viagens aéreas seguem a mesma tendência. A Chase Travel, subsidiária do JPMorgan Chase, registrou um aumento anual superior a 20% nas reservas de passagens em primeira classe e classe executiva entre junho e agosto de 2025. A consultoria aeronáutica IBA estima a entrega global de 820 jatos particulares neste ano (um aumento de 7,3% em relação a 2024), o que sinaliza o fortalecimento do investimento em transporte aéreo privado.

3. Marcas de luxo entram na hotelaria

Grandes grifes de moda e joalheria estão respondendo a essa tendência ao expandir para o setor de hospitalidade e viagens. Bvlgari e Armani já operam hotéis com suas marcas, enquanto o grupo LVMH (dono da Louis Vuitton e Fendi) lançou recentemente um trem de luxo Belmond no Reino Unido.

A empresa também firmou parceria com a Accor para introduzir um iate Orient Express de 230 metros com 54 suítes, previsto para zarpar da França em 2026. Dolce & Gabbana e Burberry seguiram o mesmo caminho, colaborando com redes de resorts para abrir clubes de praia e boutiques temporárias voltadas a viajantes de alto poder aquisitivo.

O CEO do Grupo Accor, Sébastien Bazin, afirma que planeja elevar a participação da receita vinda do portfólio de luxo de cerca de 35% para 50% até 2030. O grupo, dono de marcas como Sofitel, Fairmont e Raffles, vê a hotelaria de luxo como um motor estratégico de crescimento, refletindo as novas expectativas dos consumidores por experiências personalizadas e de alto valor.

“Os hóspedes buscam significado e conexão”, disse Bazin a analistas. “Eles querem estadas memoráveis que vão além da hospedagem.”

4. Hotéis correm o risco de diluir sua exclusividade

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Após a pandemia, muitas marcas de luxo aumentaram seus preços de forma acentuada — e os hotéis estão seguindo o mesmo caminho
Após a pandemia, muitas marcas de luxo aumentaram seus preços de forma acentuada — e os hotéis estão seguindo o mesmo caminho

Especialistas de mercado atribuem parte dessa mudança às novas formas de status social. O analista Richard Clarke, da Bernstein, observou que roupas e bolsas de grife se tornaram acessíveis à classe média alta em todo o mundo, reduzindo sua exclusividade.

Já uma viagem única que custa milhares de dólares por dia — como um safári privado ou uma expedição à Antártida — ainda representa raridade e prestígio. As redes sociais amplificam esse efeito, permitindo que viajantes exibam experiências únicas em vez de bens materiais.

Contudo, o rápido crescimento da hotelaria de luxo traz riscos semelhantes aos enfrentados pelas marcas de moda. A Bain alerta que, à medida que os hotéis se expandem para atrair clientes “aspiracionais”, correm o risco de diluir sua exclusividade.

A CoStar estima que a oferta global de quartos de luxo subirá de 1,8 milhão para quase 2,2 milhões até 2030, superando todos os outros segmentos. Só em Londres, a Savills projeta 18.750 quartos de luxo existentes e 1.618 em desenvolvimento, com novas propriedades de marcas como Rosewood, Six Senses e Auberge.

As tendências de preços também refletem o comportamento do setor de moda. Após a pandemia, muitas marcas de luxo aumentaram seus preços de forma acentuada — e os hotéis estão seguindo o mesmo caminho.

A CoStar constatou que, embora a taxa de ocupação dos hotéis de luxo tenha ficado ligeiramente abaixo da de 2024, as tarifas mais altas mantiveram o crescimento da receita. Observadores do setor alertam que aumentos contínuos de preços podem prejudicar a fidelidade dos clientes se os viajantes começarem a sentir que estão pagando demais pelo valor percebido.

O que explica o prestígio de longo prazo de marcas de luxo?

Executivos e analistas apontam a Hermès como exemplo de manutenção do apelo do luxo. A grife francesa, ainda controlada pela família fundadora, mantém produção limitada, aumentos de preços moderados e padrões de qualidade rigorosos, o que pode explicar seu prestígio de longo prazo.

De modo semelhante, grupos de hotéis boutique como o Rocco Forte Hotels estão adotando uma estratégia de crescimento contido. A empresa familiar opera apenas 15 propriedades, priorizando o atendimento personalizado. No hotel Brown’s, sua principal unidade, os funcionários chamam os hóspedes pelo nome, criando uma sensação de intimidade que diferencia o verdadeiro luxo da simples riqueza.

“O toque pessoal pode ser a resposta em um momento em que muitos se perguntam o que o luxo realmente significa”, concluiu o artigo do The Economist. Por fim, analistas afirmam que as marcas capazes de equilibrar expansão e exclusividade devem dominar a próxima fase do mercado de viagens de alto padrão.

Com informações do site Focus on Travel News.

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Sobre o autor

Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero em 2011 e com mais de dez anos de experiência em reportagens no setor de Turismo.