Leonardo Ramos   |   11/09/2018 09:00

Low costs no Brasil - parte 1: aéreas nacionais ficaram pra trás?

Entenda a pequena redução de preços pós-taxa de bagagens, e as dificuldades de se manter uma low cost no País

Entre hoje e quinta-feira (13), o Portal PANROTAS trará uma série de três reportagens sobre uma nova era da aviação nacional: a ascensão das low costs no Brasil.

Trataremos tanto das mudanças da atuação das companhias tradicionais do Brasil para métodos geralmente atribuídos a aéreas de baixo custo como resultado da desregulamentação do despacho de bagagens, quanto da vinda de novas empresas aéreas internacionais, beneficiadas por um ambiente mais propício ao lucro delas através da renda dos serviços auxiliares.

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A possibilidade da abertura de subsidiárias de low costs estrangeiras no País, mediante aprovação da abertura da capital das aéreas para investimento externo, também será tratada.

Domínio Público

AÉREAS BRASILEIRAS: ENTRARAM NA ONDA OU FICARAM DE FORA?
Os prenúncios vinham desde 2016. As Condições Gerais de Transporte Aéreo (CGTA), normas da Anac que gerem os direitos e deveres dos passageiros no transporte aéreo dentro do território nacional e que não sofriam mudanças desde 2000, foram alteradas em dezembro daquele ano pela resolução 400/2016.

Em maior destaque, a desregulamentação da cobrança de bagagens e dos assentos pelas companhias, o que permitiria, em tese, uma redução das tarifas aéreas - já que as malas despachadas e a escolha de lugares seriam cobradas à parte - e preços mais transparentes sobre cada produto que se adquire.

Na época, especialistas previram como possível consequência a ascensão de um modelo já amplamente praticado em continentes como Ásia e Europa, mas ainda praticamente inexistente no Brasil: as low costs. O mercado aéreo brasileiro poderia ver preço dos bilhetes aéreos despencarem, a exemplo da aviação europeia, onde a queda chega a mais de 50% no modelo de baixo custo.

AFINAL, PREÇO CAIU OU NÃO?
De fato, as quatro maiores companhias nacionais - Azul, Avianca Brasil, Gol e Latam -, que correspondem a 99% das operações domésticas, adotaram a política de tarifas mais baratas sem bagagens, com opções mais caras que incluem o despacho.

O valor médio da tarifa em 2017, como resultado, caiu para R$ 357, segundo a Anac, menor média histórica desde 2011 - 52,9% das passagens comercializadas foram vendidas abaixo de R$ 300. O preço do quilômetro pago por passageiro (Yield), que permite a comparabilidade entre ligações com diferentes distâncias, teve queda de -3,1%, ficando em R$ 0,308, também o menor registrado desde 2011.

Na comparação entre as companhias aéreas, observou-se uma redução na tarifa média de três das maiores companhias nacionais: Avianca Brasil (-0,3%), Azul (-2,2%), e Latam (-7,3%) - apenas a Gol teve um aumento tarifário, fechando o ano com alta de 6,6%. Assim, em 2017 a tarifa média foi de R$ 358,78 na Avianca Brasil, R$ 412,23 na Azul, R$ 347,34 na Gol e R$ 316,17 na Latam. Já a queda do yield foi de -0,1% na Avianca, -6,7% na Azul e -9,4% na Latam, enquanto na Gol subiu 2,4%.

Os números aparentemente são bons. Quedas nos preços em boa parte delas, tarifa média mais baixa... O problema, porém, é que se esperava mais. O preço médio de R$ 357 em voos domésticos representa uma queda ínfima na comparação com 2016, de apenas 0,6%. Assim, na prática, embora a expectativa fosse alta, tal mudança na precificação das passagens não se fez notável até o momento.

COMBUSTÍVEL CARO
“Ainda é muito precoce para ter uma análise técnica sobre o efeito da desregulação dos preços no Brasil”, analisou, em contrapartida, o superintendente de Acompanhamento de Serviços Aéreos da Anac, Ricardo Catanant. Para ele, diversos fatores devem ser considerados antes de se concluir que de fato não houve uma queda efetiva dos preços das companhias brasileiras com a desregulamentação das bagagens e outros serviços auxiliares.

Divulgação Anac
Ricardo Catanant, da Anac
Ricardo Catanant, da Anac
Encabeçando eles está o aumento do combustível: de acordo com a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), o querosene de aviação (QAV) chegou, no final de agosto, ao seu maior valor pago pelas companhias aéreas do Brasil desde 2002, após alta de 82% em dois anos - ou seja, desde pouco antes da desregulação da cobrança das bagagens que poderia reduzir as tarifas aéreas nacionais.

O valor por litro alcançou no mês passado os R$ 3,30, incluindo impostos - no primeiro semestre de 2017 oscilou entre R$ 1,51 e R$ 1,60, e no final do ano passado batia os R$ 1,81. Como resultado, hoje o combustível representa cerca de 40% do custo do voo no Brasil, revelou ainda no último mês a Fecomercio-SP.

Um dos maiores culpados disso é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que varia de 12% a 25% entre os Estados nacionais. Segundo o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz, como o ICMS não existe no resto do mundo, os voos internacionais não precisam pagar esse imposto quando abastecem, "gerando muitas vezes voos
Emerson Souza
Eduardo Sanovicz, presidente da Abear, diminui teto para o ICMS, para que preços possam cair
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mais baratos para o Exterior do que para destinos brasileiros, prejudicando toda a cadeia produtiva do turismo nacional". Segundo ele, isso faz com que o combustível no Brasil seja aproximadamente 50% mais caro do que em outros países.

“Por isso a dificuldade de medir, até o momento, o verdadeiro impacto da regulação 400 da Anac", explicou Ricardo Catanant.

"Talvez se não fosse essa alteração no regulamento, os preços das passagens estivessem bem maiores do que o que vemos agora; ou seja, uma possível redução das tarifas pode ter sido maquiada pelo aumento do combustível. Para realmente saber isso, precisaremos dar maior tempo para o mercado se adaptar à essas mudanças, talvez anos, e só assim poderemos fazer uma análise maior e mais robusta de dados que concluirá os efeitos da desregulamentação do despacho de bagagens".

O QUE DIZEM AS AÉREAS
Divulgação Latam
Latam é única das brasileiras que respondeu à reportagem, e pretende abrir low cost no Chile
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Das quatro maiores companhias nacionais, todas procuradas pela reportagem do Portal PANROTAS para dar um posicionamento, apenas o Grupo Latam quis falar sobre o assunto. A companhia defendeu que, diante de um “cliente que quer cada vez mais opções e a possibilidade de pagar apenas pelos serviços que utiliza”, (a empresa) está “permanentemente avaliando alternativas para o desenvolvimento do transporte aéreo na América Latina e para a sustentabilidade de suas operações”.

A holding, que lidera a aviação na América Latina, alerta que apesar de seu modelo de negócios não ser low cost, não descarta abrir, no futuro, uma subsidiária com estas características, que operaria de forma paralela às filias existentes no continente.

Em março deste ano, inclusive, a companhia solicitou um certificado de operações aéreas (OAC) para a agência de aviação civil do Chile (Dirección de Aeronáutica Civil, ou DGAC) para ter esta opção, caso a empresa veja esta oportunidade no futuro — não há previsões de abrir uma empresa semelhante no Brasil.

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