Renato Machado   |   10/03/2020 09:06

A presença humana na Antártica - parte 6

O diário de bordo segue aqui no Portal PANROTAS e é capa da edição desta semana da Revista PANROTAS

Renato Machado
Barcos de suporte para antigas embarcações se deterioram em praia da Ilha Enterprise
Barcos de suporte para antigas embarcações se deterioram em praia da Ilha Enterprise

ANTÁRTICA - A natureza em seu estado mais puro. Essa é uma maneira simples de resumir com o que o passageiro de um cruzeiro expedicionário irá se deparar durante sua estada na Antártica. Invariavelmente uma viagem por lá será desenhada em torno da rica fauna local e das N formas e texturas do gelo - ambos extremamente complexos e que demandam suporte para melhor compreendê-los. Ainda assim, a presença humana na região tem sua parcela de atenção.


Na sexta parte do diário da expedição rumo à Antártica, realizada a bordo do Le Soléal, da Ponant, falo sobre os homens que frequentaram essa região antes dos navios de cruzeiro. Se hoje o lugar hospeda cientistas e pesquisadores, no passado outro tipo de exercício era lá praticado.


Bem da verdade alguns dos primeiros exploradores tinham objetivos similares aos dos pesquisadores de hoje. Queriam observar a vida neste ambiente tão extremo para melhor entender o nosso planeta. Mas nem sempre as causas foram assim nobres.


A ANTÁRTICA DE UM MUNDO DEPENDENTE


Se uma expedição à Antártica no século 21 já é algo fora do comum, imaginem essa mesma jornada sem as tecnologias e o conhecimento de hoje. Os primeiros a tentar estudar o continente o fizeram no início dos anos 1900.


A expedição do dia trataria de vida selvagem, como já era praxe, mas também abordaria um lado novo para mim: aqueles que frequentaram essa zona antes de nós. Na parte 3deste diário eu já comentei brevemente sobre a expedição sueca que, em 1903, passou um inverno abrigada em Paulet Island. Dessa vez, em Enterprise, a história era diferente.


Durante todo o século 20, a Antártica foi frequentada por navios europeus, americanos e japoneses que buscavam na região a matéria prima para diversos produtos do cotidiano das cidades. Esse era um trabalho feito pelos baleeiros; a banha das baleias era a matéria prima em questão.


Estima-se que 1,25 milhão de baleias foram assassinadas num período inferior a 100 anos. Com o óleo proveniente da banha eram produzidos sabonetes, lubrificantes, cosméticos e uma porção de outros produtos de grande consumo - daí a necessidade de sempre caçar mais e mais baleias.


Em 1916, no entanto, as coisas não saíram como planejado. A embarcação sueca Gouvenoren parara em uma baía calma do arquipélago de Enterprise. A tripulação em festa, celebrando o final do ano, não conseguiu conter um incêndio iniciado no porão do navio. O resultado foi o naufrágio exposto hoje aos visitantes.


O enferrujado esqueleto agora é adereço na encosta congelada. Os artefatos humanos hoje sepultados na Antártica são relíquias preservadas da história do continente - a História Polar, aliás, é uma disciplina e a guia francesa Cécile Manet, fascinada pela matéria, foi quem me deu introduziu a todos esses detalhes das expedições passadas.


Aquele monstro laranja e sem vida era só uma das memórias visíveis deste local. A história daquela embarcação acabou ali, a trajetória dos baleeiros antárticos também teve seu fim, mas a vida no continente seguiu.


A Antártica chega a nós, na vida real, como um mundo frágil e efêmero, um pedaço coitado do planeta. Não é. A resiliência daquele local e das espécies que ali vivem me soam como um ativismo natural, beira a provocação ao que a humanidade tem feito com a nossa casa.


As baleias se reproduzem e as estações do ano se intercalam mesmo com o esforço humano em trabalhar conforme as nossas regras. Tratar da mudança climática como algo puramente natural e fingir que a humanidade não tem responsabilidade nisso é covarde.


A natureza por ora resiste, mas pode ser que não seja assim para sempre. Visitar a Antártica nos ensina muitas coisas e a principal delas é que precisamos, sim, repensar nossas ações.


Veja mais fotos no álbum abaixo

O diário de bordo segue esta semana aqui no Portal PANROTAS. Leia aqui a parte 1, parte 2, parte 3, parte 4 e parte 5. O cruzeiro expedicionário da Ponant rumo à Antártica também é destaque na edição desta semana da Revista PANROTAS, não deixe de conferir!


O Portal PANROTAS viajou a convite da Qualitours e da Ponant

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