Mentoria Preta: diversidade no Turismo está no balcão, mas não na diretoria; e agora?
Projeto evidencia como barreiras históricas ainda limitam o acesso de profissionais negros em lideranças

O Turismo brasileiro sempre gostou de se definir como um setor aberto, plural, diverso por natureza. E, na ponta, isso é verdade: recepcionistas, guias, camareiras, consultores e atendentes representam a mistura social do País. Mas basta subir alguns degraus na hierarquia das empresas para perceber que essa diversidade não chega ao topo.
No Dia da Consciência Negra, essa contradição fica mais evidente: como um setor que opera em um país de maioria negra pode ter lideranças majoritariamente brancas?
Esse é o pano de fundo para o Mentoria Preta, projeto lançado pela PANROTAS em parceria com executivos negros e especialistas em gestão. A iniciativa nasceu para impulsionar profissionais negros já qualificados, mas que esbarram em barreiras que não aparecem nos organogramas, e que não são individuais. São estruturais.
O que é racismo estrutural – e por que ele aparece no Turismo
Antes de seguir, é preciso esclarecer o termo que tantas vezes é usado, mas poucas vezes explicado: racismo estrutural.
O conceito parte de uma ideia simples: o racismo no Brasil não é apenas um conjunto de atitudes individuais ou ofensas explícitas. Ele está entranhado nas estruturas sociais.
E, quando falamos da vida profissional, pode ser observado na forma como as escolas funcionam, como as oportunidades são distribuídas, como as empresas recrutam, promovem e reconhecem talentos.
Se manifestando quando pessoas negras entram mais tarde na escola e têm menos acesso ao ensino de qualidade, chegam à universidade em menor número, são minoria em programas de trainee e cargos de gestão, e, mesmo quando alcançam esses espaços, precisam provar mais, explicar mais, justificar mais.
É nesse sentido que o racismo é "estrutural": ele não depende da intenção de alguém, mas do funcionamento habitual da sociedade.
No Turismo, isso aparece quando: a diversidade é celebrada nos destinos, mas não nas salas de diretoria; as contratações ocorrem via indicações que circulam sempre no mesmo grupo social; as oportunidades de qualificação no Exterior ou em grandes eventos vão sempre para os mesmos nomes; a liderança não reflete os clientes, tampouco colaboradores e comunidades que o setor atende.
É nesse terreno desigual – invisível, mas constante – que o Mentoria Preta surge.
"Pessoas negras precisam ser consideravelmente melhores para ocupar o mesmo espaço que pessoas brancas"
A frase é de Jaime Almeida, conselheiro do Instituto Pactuá e referência em diversidade corporativa. Ela resume o que muitos profissionais negros relatam ao longo da carreira: não basta ser bom – é preciso ser excepcional para alcançar o mesmo reconhecimento.

Almeida conta, por exemplo, em uma entrevista feita com ele em junho deste ano, que em mais de 17 anos como professor universitário e de pós-graduação, teve pouquíssimos alunos negros. Ou seja: o funil começa cedo. E, quando essas pessoas chegam ao mercado, enfrentam novas camadas de desconfiança, subestimação e falta de acesso a redes de influência.
O Mentoria Preta como ferramenta de correção de rota
O programa conecta executivos experientes do Turismo a profissionais negros em posições de liderança intermediária. A seleção é feita com a metodologia Personal Map, que identifica valores, talentos, estilo de liderança e objetivos de cada participante.
O processo evita uma armadilha comum: tratar diversidade como caridade ou gesto simbólico. Aqui, há método, acompanhamento e criação de rede – elementos que o racismo estrutural costuma negar às pessoas pretas.
Os relatos dos mentorados revelam exatamente isso
Conforme mostra uma matéria da própria PANROTAS, que acompanhou uma das reuniões do grupo, Adriana Almeida, da R11 Travel, percebeu evolução desde o primeiro encontro com Lígia Secco, da @RARO e uma das mentoras, e destaca que a troca tem sido positiva para as duas.

Joyce Felizardo, da Incomum Viagens, afirmou na mesma ocasião que a sinergia com outro mentor do projeto, Wellington Melo, vai além do profissional.
Por que o setor precisa olhar para isso agora
O Turismo depende de pluralidade para existir – mas ainda não consegue reproduzir essa pluralidade em quem decide os rumos das empresas.
Uma liderança mais representativa:
- amplia repertórios;
- melhora inovação;
- evita vieses na criação de produtos;
- e fortalece a conexão do setor com a sociedade.
Ou seja: não é uma pauta social isolada. É uma pauta de competitividade e futuro.
Entre tantas outras coisas, o Mentoria Preta provoca o próprio setor: é possível continuar falando de diversidade sem garantir diversidade em quem comanda?