Artur Luiz Andrade   |   09/06/2025 10:00
Atualizada em 09/06/2025 13:00

CEO da Gol, Celso Ferrer analisa saída do Chapter 11 e impactos na empresa e no País

Agenda com governo, parceria com American Airlines e atendimento ao cliente top tier foram temas abordados

Divulgação
Celso Ferrer, CEO da Gol
Celso Ferrer, CEO da Gol

O CEO da Gol Linhas Aéreas, Celso Ferrer, falou com o Portal PANROTAS na sexta-feira, 6 de junho, logo após o anúncio de que a companhia aérea deixara o processo de recuperação do Chapter 11 americano, depois de 16 meses de reestruturação financeira e da estrutura da companhia.

Nesse período, a Gol reduziu sua malha, renegociou com fornecedores, desenhou uma nova estrutura comercial e de lideranças na companhia (leia aqui entrevista com Mateus Pongeluppi, novo VP comercial), voltou a operar boa parte da frota parada (de 30 aeronaves no chão hoje são 11, com previsão de 100% no começo de 2026) e já voltou a aumentar a oferta este ano.

A empresa sai do Chapter 11 como a segunda maior do País, com novo controlador, o Grupo Abra, da Colômbia, com cerca de 80% das ações (a definição ainda depende das opções dadas aos acionistas minoritários) e um crescimento internacional vertiginoso. A meta é voar para todos os países da América do Sul, crescer no Caribe e, no doméstico, fazer do Galeão seu maior hub de distribuição de voos, seguido de Brasília, mantendo forte presença ainda em Guarulhos e principalmente Congonhas, em São Paulo.

O Chapter 11 ajuda, e muito, mas não é a solução única, por isso a empresa montou um plano conservador e cauteloso para os próximos cinco anos, com índices, como os valores do dólar e do combustível mais altos que os praticados atualmente, para mostrar que estará pronta para crescer em qualquer cenário. Um cenário desafiador, em que a falta de estratégia do governo para a aviação e o custo Brasil ainda são um grande obstáculo para as aéreas, e onde ainda se fala de uma fusão com a Azul (ao menos do parte da Abra e não da Gol), especialmente depois que vimos a parceira americana da Gol, a American Airlines, participar do plano de recuperação da Azul, que ingressou no Chapter 11 há poucos dias.

Celso Ferrer não comentou sobre fusão na entrevista à PANROTAS, mas garante que a American Airlines tem na Gol sua parceira preferencial no Brasil. Hoje, segundo ele, 98% dos passageiros da AA no País conectam com a Gol, e em Miami (onde a American é a maior operadora) a distribuição da empresa brasileira com a americana vai muito bem.

PANROTAS / Emerson Souza
Celso Ferrer
Celso Ferrer

Confira a seguir os principais trechos da entrevista, feita on-line, na última sexta-feira (6).

A saída do Chapter 11

“O modelo da Gol, desde o começo, depende de sua capacidade de ter uma frota nova e unificada, com mais horas/dia de utilização, com um custo mais baixo. Esse ciclo virtuoso em determinado momento parou, por conta do acesso a novas aeronaves, pelo caso dos Max aterrados e, obviamente, por conta dos efeitos da pandemia, que nos fizeram adiar os investimentos. Esses 16 meses (de Chapter 11), foi o momento em que a gente conseguiu focar nisso.”

Volta do círculo virtuoso

“O plano, e eu quero muito destacar isso, é muito mais do que uma reestruturação de balanço. Ele tem esse nome do Chapter 11, ele tem toda essa questão de reestruturação do balanço, da dívida que alongou etc. Mas a gente encarou aqui dentro essa oportunidade para restabelecer esse ciclo virtuoso. Isso é o principal ponto do nosso plano.”

Frota com a Boeing garantida

“A gente firmou uma ordem com a Boeing de 96 aeronaves, em um momento em que não tem aeronaves disponíveis. Se você for na Airbus, se você for na Boeing, as aeronaves você vai conseguir depois de 2032, 2033. A Gol tem 96 aeronaves reafirmadas aí dentro do nosso processo. A gente tem recebido esses aviões já. Serão cinco este ano, ano que vem mais 12, no ano seguinte outros 12. E 12 por ano é muita capacidade. Devemos fechar o ano com 143 aeronaves, incluindo novas aeronaves e a volta das que estavam paradas. Hoje são 11 em terra (já foram 30) e no primeiro trimestre de 2026 não haverá mais aeronaves no chão.”

2025 já traz crescimento

“A frota que voa tem crescido muito e 2025 é prova disso. No primeiro trimestre a gente cresceu em torno de 12% em ASK (oferta), agora no segundo trimestre, estamos crescendo entre 15% e 20%. Quando a gente entrou no Chapter 11, a nossa decisão foi garantir uma malha menor, mas estável para os nossos clientes. Se você lembrar, no final de 2023, antes do Chapter 11, houve muitas mudanças de malha, o que impactou os nossos clientes. Em 2024 foi o nosso melhor ano com cliente. Malha estável, e o passageiro sabendo que podia encontrar uma companhia consistente, líder em pontualidade, com regularidade altíssima. Isso foi uma decisão acertada.”

Doméstico cauteloso, internacional agressivo

“E agora que a gente tem condição de crescer, você está vendo esse crescimento de dois dígitos aí, bem relevante em relação ao ano passado, teremos o crescimento pés no chão no doméstico, mais cuidadoso, e outro muito agressivo no internacional. No internacional a gente está falando de crescer entre 40% e 50%, sobre uma base menor, mas a gente está chegando aí ao nosso 16º destino, com Caracas, e não pararemos aí. Além do aumento de frequência em destinos onde já operamos. Se eu pegar como exemplo Buenos Aires, temos voos de lá para quase todas as capitais do Nordeste, para Brasília, para Rio, São Paulo, já tinha Florianópolis, Porto Alegre. Então, tem muita rota nova, muita coisa bacana acontecendo no Internacional da Gol.”

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Celso Ferrer, CEO da Gol
Celso Ferrer, CEO da Gol

Rio, São Paulo e Brasília

“A Gol continua muito forte e bem estabelecida em São Paulo, principalmente em Congonhas, além de Rio de Janeiro, Brasília e Salvador. Essas hoje são cidades focos para a Gol, onde investiremos muito. A gente tem investido muito no Rio e em Brasília, por conta de serem regiões onde a Gol é forte e que ainda estavam com a capacidade menor do que tinha no pré-pandemia. Justamente eram regiões onde a Gol era muito relevante, diminuiu a oferta, e agora a Gol está retomando. Eu vejo 2024 e 2025 como os anos de retomada de uma capacidade importante, de massa crítica para a gente nesses hubs e depois um crescimento bem racional de acordo com o mercado. O nosso plano está prevê a chegar no tamanho que a gente era em 2019 somente em 2026, no doméstico.

“Vamos ser uma companhia maior, porque no internacional hoje a gente é maior, mas a gente foi muito cuidadoso com o mercado doméstico.”

Grito de Gol

“A gente sente que esse ano é o ano que queremos gritar gol de verdade, né? Poder chegar para o nosso time, em primeiro lugar, mas poder chegar nos nossos clientes corporativos e poder falar, cara, a Gol voltou, vai ser forte no corporativo, vai ser forte no lazer, está aumentando o número de destinos, tem uma malha internacional que nunca teve. E isso é muito bom."

Celso Ferrer

3 empresas brasileiras passando pelo Chapter 11

“Esse é um fato. Que as três empresas recorrerem a uma proteção da corte americana para poder se reestruturar. Isso diz muito da capacidade dessas empresas de se reinventarem, ao mesmo tempo diz muito também do quanto exposto esse setor continua sendo. Obviamente teve a pandemia que é um fator muito relevante, inesperado, mas o setor é muito desafiador.

A gente tem um descolamento entre real e dólar, a gente tem um custo de combustível caro, a uma judicialização que vai passar de R$ 1 bilhão para o setor, ou seja, uma agenda que temos com o governo brasileiro, seja ele qual for. Estamos buscando soluções de política de longo prazo para esse setor. Eu acho que é para o País; o Brasil ganha com essas reestruturações, as companhias saindo mais fortes, com capacidade de crescer, com capacidade de planejamento, com capacidade de atender melhor os seus clientes.

O Brasil tem um setor de classe mundial em pontualidade, em bagagem, em atendimento ao cliente, tudo. Mas com a necessidade de uma política de longo prazo e de redução do custo de capital para as companhias que são instaladas nesse País. Isso é urgente.

A reestruturação do Chapter 11 não acaba com essa necessidade, pois estamos em desvantagem competitiva com as empresas internacionais que voam para o Brasil, dado esse custo de capital elevado. Então será muito bem-vindo tudo que o governo puder fazer nessa direção de reduzir aqueles custos que não são condizentes com as práticas mundiais, principalmente a judicialização e a os custos de capital, seja por essas iniciativas que têm sido faladas, como o Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) do FNAC, do FGE (Fundo de Garantia à Exportação).

Celso Ferrer

A gente tem que trabalhar muito próximo do governo. A Abear está há quatro anos com o governo, e vamos continuar mostrando a necessidade de ter custos de capital mais baixos para a sustentabilidade desse setor".

PANROTAS / Emerson Souza
Celso Ferrer
Celso Ferrer

Ambientes desafiadores

“A gente sai do Chapter 11 muito preparado para lidar com o ambiente de Brasil volátil. Temos uma liquidez muito relevante, da ordem de US$ 900 milhões, que a gente se propôs justamente para enfrentar volatilidade, um cenário difícil. Uma condição muito clara para todo mundo que participou desse plano. A Gol tem que sair fortalecida do ponto de vista de liquidez para lidar com isso e com o plano, que consideramos bem pé no chão. Um plano que a gente fez já com o dólar a R$6,04. Fizemos um plano com o valor do combustível 20% maior do que o que está observado hoje (que tem um valor mais baixo). Porque a gente precisava mostrar que a Gol tinha condição de crescer mesmo em um cenário mais adverso, do ponto de vista macroeconômico.

No quarto tri de 2024 e no primeiro de 2025 conseguimos uma receita unitária crescente, e considerável aumento da oferta. Isso foi chave para que ganhássemos a confiança dos investidores no nosso plano. Conseguimos crescer sem perder valor, sem destruir valor do mercado. Isso é muito importante. Acho que é importante para o sistema de aviação, para quem está em volta desse sistema, que é o trade, os nossos clientes, eles também não querem ver a destruição valor para garantir essa oferta de longo prazo.”

Recado ao trade

“Quero dizer ao trade de Turismo que a Gol voltou, vamos crescer e vamos crescer juntos. Vamos crescer de maneira sustentável, sem euforia, sem desorganização. Tudo tem um porquê, as rotas que a gente está colocando têm um propósito, tem um motivo pelo qual a gente está fazendo isso, criando mais conectividade, respeitando as limitações de crescimento de demanda que tem no País, sem criar um desequilíbrio entre oferta e demanda. É isso que deixa o setor saudável, é isso que garante também que as agências e seus clientes mantenham sua capacidade de investimento contando com a Gol. Muitos me ligam perguntando como está a Gol, e o crescimento estará lá, antes de fecharem um negócio. Eles dependem dessa malha.”

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Celso Ferrer
Celso Ferrer

Mais cobranças por produtos à frente?

“Obviamente dentro de um processo de reestruturação a gente toma medidas austeras importantes para aquele determinado momento (a Gol, por exemplo, passou a cobrar pela internet a bordo até dos passageiros premium, cortou o serviço de bordo em voos com menos de uma hora, e implementou sistema de cobrança de assentos para as classes mais baixas de tarifas). O modelo que eu quero entregar é uma experiência, e as duas palavras que gente mais está falando aqui são “simples” e “fácil”. Então, tudo que a gente puder fazer no digital, para que tenha menos cliques, que seja fácil, que seja acessível, óbvio que a gente vai fazer. Tudo que nos nossos processos puder ser descomplicado em termos de embarque, de funil de compra, de comunicação com o nosso cliente, vamos investir nisso.

“Eu já vejo um resultado grande na parte de atendimento ao cliente. A Gol reduziu drasticamente filas, temos indicadores de melhor resposta, menos tempo de espera, NPS muito alto, com recorde histórico. E para a gente está muito claro que para o cliente, pontualidade e regularidade são determinantes. A gente investiu muito na pontualidade, essa pontualidade não veio de graça. Ela veio de muito esforço do nosso time, mas também de muito investimento.”

Clientes de alto valor

“A ideia agora é aos poucos entregar valor para os nossos clientes de alto valor à medida em que eles forem cada vez mais próximos do nosso programa de fidelidade, Smiles. Vamos atuar de forma mais segmentada com esses clientes. Para que eles possam ter acesso a mais coisas. Há dez anos a gente se reunia e falava assim, a companhia é boa ou é ruim, dependendo do serviço de bordo. Hoje isso depende do app, da capacidade dela de resolver os meus problemas, da velocidade de resposta, da conectividade. Então é nisso que a gente quer focar.

Vamos garantir que os nossos clientes top tier tenham um atendimento quase que exclusivo, rápido, de velocidade, que a gente seja uma companhia resolutiva. Isso é o nosso foco. Mais do que mudar alguma coisa no que a gente chama de hard, queremos ter um produto consistente. Quero que o nosso cliente voe dez vezes com a Gol e os voos tenham sido pontuais, com a bagagem na esteira, sem estar danificada. Quando perguntarem como foi a viagem prefiro que nas dez vezes ele diga que foi boa. Não quero que uma hora seja excelente e em outra seja péssimo. A palavra da vez na Gol é consistência.

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Celso Ferrer
Celso Ferrer

Baixo custo, baixa tarifa?

“A gente discute muito essa questão de tarifas. A companhia hoje está sendo capaz de oferecer um nível tarifário que, pelos índices de medição oficiais do IPCA, tem contribuído para a inflação cair. E a companhia tem conseguido crescer de forma sustentável com esses níveis. Com o (ambiente) macroeconômico favorável, as companhias aéreas vão ser capazes de entregar esse valor também para os clientes. Acho que isso está provado no que a gente está percebendo. Então, à exceção do fato de a tarifa flutuar em função de dólar e combustível, e eu estou falando isso com propriedade no momento em que o combustível está mais baixo, as tarifas estão mais baixas, percebidas como mais baixas.

A gente está aumentando a capacidade e podendo diluir o nosso custo fixo de novo é a grande alavanca para que a gente consiga ter tarifas ainda mais atrativas. É por isso que a empresa sofreu tanto durante esse período de retração de capacidade. E a boa notícia é que a demanda está aí.

Temos um monte de más notícias, a como a taxa de juros no Brasil altíssima, ou alguns fundamentos macroeconômicos que se gente olhasse de maneira isolada a gente poderia estar com uma visão pessimista, mas a demanda está aí. Não estou falando que ela está pujante, que tem um boom no Brasil, mas hoje a gente vive num cenário de demanda melhor do que a gente esperava dado o dólar que a gente tem hoje, dado o endividamento das famílias e principalmente dada a taxa de juros que a gente tem.”

Lazer

“Os destinos turísticos ganharam relevância nesse pós-pandemia, então hoje a nossa malha vai de destinos de lazer ao corporativo, ela é muito mais robusta. Antes era aquela coisa de aumentar muito a oferta na alta, e depois ter de tirar tudo. A gente vai com uma malha um pouco mais estável, mesmo para destinos turísticos. As pessoas aprenderam a explorar destinos turísticos, mesmo fora da temporada, tem gente até que prefere. Isso tem feito uma distribuição um pouco melhor e isso ajuda muito a manter essa consistência do transporte aéreo".

Controle do Grupo Abra

“O Abra foi criado lá em 2023 e a gente começou a trabalhar muito próximo para capturar as sinergias. De repente, a gente entra no Chapter 11 e esse vira o principal foco. Então, é óbvio que a gente não parou de pensar no quais seriam essas sinergias, mas a intensidade com que isso foi feito durante o Chapter 11 foi aquém do desejado, porque a gente quer logo chegar e trabalhar de uma maneira mais integrada. O que se espera da Gol agora é uma integração muito maior com a Abra.”

A Abra vem se fortalecendo com o know how, com times específicos para apoiar as empresas operacionais, a Gol, a Avianca, a Wamos, de fato para que tenha escala nas áreas onde a gente briga de uma maneira global, falando de áreas de compras, suprimentos, peças, motores, frota, tudo. Então a gente tesá trabalhando nisso até de maneira mais centralizada agora e respeitando e garantindo as fortalezas locais de cada companhia

O Grupo Abra tem mais de 300 aviões, é uma frota super diversa, um grupo grande que tem escala. Então é outra história, a gente se sente abraçado por um grupo que nos dá a proteção que a gente precisa do ponto de vista de escala para brigar nesse mundo global (na saída do Chapter 11, o Abra controla cerca de 80% das ações, o que deve ser definido em breve, com as decisões dos acionistas minoritários).

American Airlines

“Do ponto de vista acionário, a American está sendo tratada exatamente como qualquer investidor. Neste momento eu não posso responder pela participação dela, porque ela está no seu direito de preferência. Mas o que eu quero reforçar, e é muito mais importante para mim, é a parceria que a gente tem com a American. Dentro do Chapter 11 a gente reafirmou o nosso contrato com eles. E estamos mais próximos ainda. A Gol é responsável por 98% do tráfego que conecta com a American no Brasil. A malha da American está em Guarulhos, está no Galeão, onde a gente é muito forte e trabalha muito com eles. A gente distribui os nossos passageiros em Miami, dos voos de Manaus, Brasília, Fortaleza e Belém, com a American.

Então a parceria é muito forte, e ela foi reafirmada dentro desse processo. O próprio Steve Johnson (chief strategy officer e vice chair da American) fez uma declaração, falou que o principal parceiro é da empresa é a Gol. Assim como temos uma aliança importante com a Air France-KLM, estratégica, independentemente de serem investidores ou não.”

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