Artur Luiz Andrade   |   20/05/2020 11:30   |   Atualizada em 20/05/2020 12:56

Agente de viagens não é solidário por toda a viagem, reconhece governo

Comissão do agente de viagens pode não ser reembolsada e ele não é solidário com toda a viagem


Dreamstime
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, emitiu parecer histórico, via Nota Técnica 24/2020, estabelecendo regras mais claras em cima das determinações da MP 948 (a MP do Consumo, de 8 de abril), que é considerada uma vitória, mas com texto muito genérico, pela maioria dos envolvidos. As entidades de agenciamento (Abav, Nacional, Braztoa, Abracorp e Aviesp, entre outras que apoiaram) fizeram forte trabalho junto aos órgãos federais para que essas mudanças fossem reconhecidas. "Pela primeira vez temos um documento que comprova isso, sem deixar dúvidas. Uma vitória muito grande", comemora a presidente da Abav Nacional, Magda Nassar.

Com a Nota Técnica, por exemplo, a Senacon reconhece que a agência de viagens não é responsável solidária por toda a operação de Viagens e Turismo, devendo reembolsar, quando necessário, apenas o que cabe a seus serviços; e que, no caso de pedido de reembolso por conta dos cancelamentos e adiamentos dentro da pandemia do novo coronavírus, a agência de viagens pode não reembolsar sua comissão, pois o serviço foi prestado ao consumidor (tanto na emissão da viagem quanto no processo de mudança posterior da viagem, incluindo os trâmites de cancelamento).

“A MP deixa clara a possibilidade de qualquer negociação diferente entabulada entre consumidores e fornecedores. A Senacon tem reforçado a importância da negociação e do uso de métodos consensuais de disputas durante esse período de pandemia, inclusive por meio da plataforma do consumidor.gov.br. Essa negociação permite que agências de viagens deem outras opções diferentes das contratadas e mantenham sua taxa de comissão, o que é importante durante a pandemia, mas com isso também resguardando o interesse dos consumidores.”

O mesmo foi definido para a cobrança de taxas de serviço de venda on-line (caso de shows e espetáculos, também inseridos na MP do Consumo), ficando os organizadores de eventos responsáveis por uma parte do reembolso e as empresas de comercialização na internet pela quantia referente às taxas (nesse caso, a nota também reconhece que essa taxa pode não ser restituída, pois o serviço de venda on-line foi prestado; mas as empresas precisam dar alternativas e negociar com o cliente).


Magda Nassar, presidente da Abav Nacional
Magda Nassar, presidente da Abav Nacional
Segundo a presidente da Abav Nacional, Magda Nassar, pela primeira vez o Ministério da Justiça entende como funciona a cadeia do Turismo e o papel de cada um dos players: a intermediação, os prestadores de serviço, o transportador e assim por diante. O agente de viagens continua sendo o canal onde o consumidor faz o pedido de reembolso ou cancelamento ou adiamento, mas cada segmento responde por sua parte nesse orçamento total da viagem. Até agora, a agência era solidária em tudo e havia dúvidas em relação à possibilidade de retenção da comissão.

O Ministério da Justiça, na longa explanação da Nota Técnica (o que era cobrado da MP 948), reconhece que o setor de Turismo “foi um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus e um dos que mais demorará a se recuperar, conforme estudo conduzido pela Fundação Getúlio Vargas”, citado no texto que justifica as mudanças ou explicações necessárias da medida provisória.

A Senacon explica que em virtude do cenário de pandemia e do entendimento de como funciona os setores de Turismo, Aviação e Eventos, e juntamente com o Ministério Público Federal e a Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON), firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Associação Brasileira de Produtores de Eventos (Abrape) e com as empresas nacionais de transporte aéreo (que foram as primeiras a garantir o reembolso em 12 meses) , e está negociando outros seis acordos no setor de Turismo.

“Os TACs firmados até o momento trabalham com a premissa de remarcação gratuita ou constituição de crédito em favor dos consumidores, ou então a devolução do crédito dos consumidores dentro de um prazo de 12 meses. Eles também preveem a abstenção pela Senacon de processos sancionadores decorrentes da situação de pandemia”, continua o texto. Nas negociações, fica claro para os consumidores que o melhor negócio é o adiamento ou remarcação (algumas empresas, como no segmento de cruzeiros, oferecem bônus sobre o valor pago originalmente), ficando o cancelamento total como reembolso como último recurso, passível do desconto de taxas e multas, e agora, com a retenção da comissão de intermediadores como as agências de viagens.

Para o setor de Viagens e Turismo, a MP 948 foi uma vitória enorme, mas que precisava de uma normatização, como os TACs, para detalhar as especificidades de cada categoria e negociação envolvida, como no caso das agências. A Nota Técnica, por outro lado, buscou também esclarecer ao consumidor seus direitos e de onde deve vir cada obrigatoriedade, como isenção de taxas para remarcação e prazo de uso dos serviços adquiridos, por exemplo.


LEIA NOTA TÉCNICA


SEGMENTOS
Caso não haja uma TAC específica para um segmento, a Justiça há de considerar o que está definido, de forma mais genérica, na MP 948, por isso as entidades do setor buscaram esses ajustes via Senacon. A secretaria esclarece que as empresas de serviço atingidas pela MP são das seguintes categorias: meios de hospedagem; agências de Turismo; transportadoras turísticas; organizadoras de eventos; parques temáticos; e acampamentos turísticos.

Poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, empresas que prestem os seguintes serviços: restaurantes, cafeterias, bares e similares; centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares; parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer; marinas e empreendimentos de apoio ao Turismo náutico ou à pesca desportiva; casas de espetáculos e equipamentos de animação turística; organizadores, promotores e prestadores de serviços de infraestrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos; locadoras de veículos para turistas; e prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.

Lembrando que pela MP 948 esses prestadores de serviço precisam oferecer ao consumidor a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados; a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou outro acordo a ser formalizado com o cliente. Na impossibilidade desses três itens, o consumidor pode optar pelo reembolso e o valor lhe será restituído em um prazo de 12 meses (a contar do momento do fim do estado de calamidade pública; já no caso das aéreas a partir do momento da emissão do bilhete).

A Nota Técnica explicita e entende os motivos desse prazo de 12 meses: “Pareceu evidente ao legislador, diante dos dados e das projeções econômicas disponíveis quando da concepção da MP de que se todos consumidores pedirem reembolso integral, muitos ficarão sem receber nada em razão da potencial falência em massa de empresas do setor”. A nota também fala da boa fé dos fornecedores para dar alternativas de remarcação viáveis aos consumidores.

O parecer explicitado na Nota Técnica deixa sempre claro que a sobrevivência das empresas do setor está intimamente ligada ao direito do consumidor. Se as empresas quebram, não há restituição qualquer ao cliente.
A Nota Técnica também acredita que a MP 948 atende bem o consumidor que queira desistir de um show ou viagem devido à situação de redução de renda causada pela pandemia. Ele será ressarcido, com correção, no prazo de 12 meses.

SOLIDARIEDADE
Uma das explicações que, para o setor, faltaram na MP 948, diz respeito à questão da solidariedade na cadeia do Turismo. A Nota Técnica 24/2020, abre toda uma seção para explicar esse fundamento, algo que a indústria tenta, há anos, ver reconhecido pela Justiça.

Confira:
“Nessa esteira, não há obrigatoriedade de devolução – pelo fornecedor de serviços eventos ou do ramo hoteleiro ou mesmo de aviação – da comissão da agência de turismo e/ou da “taxa de conveniência” (e vice versa, ou seja, a empresa de venda de ingressos on-line e agências de turismo devolverem o valor integral), diante do disposto no par 4º do art. 2º da MP nº 948, que assim dispõe: “§ 4º Na hipótese de impossibilidade de ajuste, nos termos dos incisos I a III do caput, o prestador de serviços ou a sociedade empresária deverá restituir o valor recebido ao consumidor, atualizado monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E, no prazo de 12 meses…”

E continua: “Percebe-se que a MP nº 948 de 2020 não dispõe expressamente sobre a solidariedade na cadeia do setor de Turismo, determinando apenas que “o prestador de serviços ou a sociedade empresária deverá restituir o valor recebido ao consumidor” sem obrigar especificamente as empresas do setor de turismo a restituir o valor da comissão ou da taxa de conveniência, tratando-se de um silêncio eloquente, dado que a solidariedade, nos termos da legislação civil, somente pode decorrer da lei ou do contrato”.

A nota define o papel do agente de viagens como intermediário, representando o consumidor junto aos fornecedores, e sendo considerado o elo mais fraco da cadeia, pois formado por empresas de pequeno porte e com difícil acesso ao crédito. A Senacon entende que não deve haver a responsabilidade em cadeia. Cada um responde pela quantia que lhe coube na venda. A agência não tem que responder pelo valor de uma passagem aérea e sim de sua comissão, quando precisar restitui-la, e o mesmo vale para a empresa aérea ou hotel que não responde pela restituição da comissão das agências e sim por sua parte recebida.

O texto também refuta a responsabilidade objetiva em cadeia no Turismo, mas não fica claro se essa leitura se deve somente em razão da situação de pandemia ou se cria um precedente que regerá o setor após a covid-19. Mas exemplifica que uma pandemia, que ninguém podia prever, é diferente de uma falta de planejamento dos fornecedores que por ventura venham a levar a uma não prestação de serviços. Ou seja, no descumprimento de contratos ou da lei, fora de uma pandemia, a interpretação pode ser diferente, mas parece que finalmente sem a responsabilidade solidária por parte das agências em todos os itens vendidos.

TAXA ON-LINE
A Nota Técnica cita outras decisões para concluir que não cabe aos organizadores de eventos a restituição da taxa de conveniência por vendas on-line e que “as empresas de vendas de ingressos on line fazem jus à remuneração pelos seus serviços de intermediação (segundo Nota Técnica nº 9), assim como agências de viagens fazem jus a suas intermediações em razão do resultado útil entregue aos consumidores".

“Percebe-se que caso os consumidores, repete-se, nas hipóteses específicas previstas na MP, exerçam seu direito ao reembolso, cada fornecedor deverá responder pelo “quantum” recebido, cabendo às agências e empresas de vendas on line restituírem sua parcela diretamente, sem qualquer solidariedade”.

O reembolso da comissão, em ambos os casos, não é obrigatório no caso da pandemia, mas poderá ocorrer na negociação com o consumidor. E nesse caso a agência não se torna solidária no restante do pacote e sim responde por sua comissão.

A Nota Técnica reconhece ainda que a questão dos danos morais está genérica demais na MP 948, mas explica que abusos e descumprimentos da lei continuarão sendo passíveis de indenização moral, mas no caso puro de um cancelamento pela pandemia, não caberiam tais indenizações automaticamente.

CONCLUSÕES
A Nota Técnica finaliza concluindo que:

1 - A MP 948 estabelece uma sequência a ser seguida pelos fornecedores quando do cancelamento de eventos em razão da pandemia, garantindo aos consumidores a remarcação ou obtenção de um crédito para uso futuro, sem qualquer custo adicional. Também a MP permite negociação entre consumidores e fornecedores que cheguem a resultados satisfatórios para ambos, especialmente para os consumidores, elo mais vulnerável da relação. Somente na ausência dessas alternativas, há o direito ao reembolso.

2 - A MP não estabelece solidariedade na cadeia de Turismo por cancelamento de serviços e eventos em decorrência da pandemia. Cada fornecedor responde até o limite do seu recebimento ou da titularidade do direito em questão.

3 – Empresas do setor de eventos não são obrigadas a restituir a “taxa de conveniência” quando se dispuseram, de boa fé e de forma efetiva, a remarcar gratuitamente o evento ou conceder crédito aos consumidores, o qual opta, por motivos de conveniência pessoal pelo cancelamento. Essa taxa deve ser restituída, quando for o caso, pelas empresas de vendas on line (o mesmo se aplica à comissão das agências de viagens, em negociação com o cliente).

4 – Também se conclui que o cancelamento do evento/serviço derivado da pandemia, per se, não é um vício que enseja indenização cível nem sanção administrativa uma vez que se trata de situação de caso fortuito/força maior.

Tópicos relacionados

 AVALIE A IMPORTÂNCIA DESTA NOTÍCIA

Mais notícias