Filip Calixto   |   01/10/2025 11:39
Atualizada em 01/10/2025 11:40

Agentes dizem que Renato Kido mente e expõem outra versão do colapso da ViagensPromo

Relatos mostram perdas financeiras, depressão, falta de apoio e contraste com entrevista do fundador da VP


PANROTAS / Emerson Souza
Renato Kido, fundador da ViagensPromo
Renato Kido, fundador da ViagensPromo

Agentes de viagens estão indignados com as recentes declarações de Renato Kido. O fundador da ViagensPromo afirmou à PANROTAS que tem trabalhado "todos os dias" para reparar os danos causados às agências de viagens após a interrupção das operações da empresa. Segundo ele, mais de R$ 51 milhões em cartas de chargeback já foram emitidos, o que corresponderia a cerca de 60% dos prejuízos totais ao trade. O empresário garantiu ainda que atua "caso a caso" para reverter a situação e que não estaria "sumido" do mercado.

No entanto, as declarações do executivo não refletem a experiência relatada por vários agentes de viagens afetados, que apontam prejuízos expressivos, falta de retorno, "sumiço" e a necessidade de arcar sozinhos com as despesas para não deixar clientes sem viagem.

PANROTAS / Filip Calixto
Renato Kido, fundador e CEO da ViagensPromo
Renato Kido, fundador e CEO da ViagensPromo

"Arquei com todos os custos para não deixar clientes na mão"

Solange Sayão, da Sol Sayão Viagens, de Belo Horizonte, contabiliza um prejuízo superior a R$ 130 mil e afirma nunca ter recebido apoio efetivo da operadora. "O que tive foi calote. Teve um caso em Porto Seguro de uma família de dez pessoas que chegou lá e não tinha nada pago. Foi o receptivo que ajudou para que os passageiros não ficassem desamparados. Essa viagem foi em 9 de março, e até hoje não houve solução", lembra. E essa foi só a primeira experiência vivida pela agente com falta de pagamento da operadora. Depois dessa muitas outras se seguiram.

Coincidência ou não, no mesmo dia em que reapareceu no Portal PANROTAS com a entrevista, Kido respondeu a agente mineira. Em uma troca de mensagens, o fundador da ViagensPromo assegurou que olharia o caso dela com atenção e pediu um pouco mais de paciência. "Essa atenção que ele diz dar foi dada para mim hoje pela primeira vez", admite.

Reprodução/Redes Sociais
Solange Sayão, da Sol Sayão Viagens
Solange Sayão, da Sol Sayão Viagens

O prejuízo de Solange está todo contabilizado em uma planilha e informado à Justiça por meio de seu advogado. Mesmo assim, caso Kido ainda arque com os custos, a agente diz que perdoaria o transtorno.

"Se ele cobrir meu prejuízo retiro até o processo porque não há como julgar o que ele passou. Mas até agora nada foi feito"

Solange Sayão, da Sol Sayão Viagens, sobre Renato Kido

A agente de viagens ainda ressalta que precisou assumir do próprio bolso diversos pacotes, inclusive fretamentos. "Todos os outros eu tive que pagar para que os passageiros embarcassem. Nos fretamentos, recomprei as passagens em voos regulares", lamenta.

"Não tivemos resposta nenhuma, nem cancelamento no banco"

Ana Flávia Pereira, da Isa Tour, localizada na região de Formigas (MG), também desmente a narrativa de que as agências foram apoiadas. Ela estima que cerca de 100 passageiros foram impactados e que o prejuízo ultrapassa R$ 180 mil.

"Antes do Carnaval já surgiram os primeiros problemas. Em março, um cliente para o Rio de Janeiro não tinha aéreo emitido nem hotel pago. Entramos em desespero porque havia muito embarque programado para junho e julho. Tivemos que honrar tudo para que os clientes não fossem prejudicados, enquanto isso nenhuma resposta vinha da ViagensPromo".

Segundo a empresária, além de não receber suporte, sua agência segue sendo cobrada. "Até hoje temos cartão debitando, porque eles não fizeram o cancelamento junto ao banco. Não tivemos resposta nenhuma, não havia ninguém para recorrer. Continuamos pagando por algo que não existe mais", reforça.

Reprodução/Redes Sociais
Ana Flávia Pereira lembra com orgulho que não deixou nenhum passageiro sem sua viagem
Ana Flávia Pereira lembra com orgulho que não deixou nenhum passageiro sem sua viagem

A Isa Tour, que comercializou em peso a promoção "dois por um" da ViagensPromo, acabou sobrecarregada.

"Vendemos muito nessa campanha e tivemos que recomprar as viagens com outras operadoras ou em voos regulares. Foi um baque enorme. Vai demorar muito tempo para conseguirmos equilibrar as contas, mas nenhum dos nossos clientes foi deixado em solo".

Ansiedade severa e depressão profunda

Como já disse o advogado especializado em Turismo Marcelo Oliveira, da CMO Advogados e do Instagram @Turisprudencia, o rombo da ViagensPromo é muito grande e envolve perdas que incluem a saúde dos profissionais afetados pelo desgaste e indenizações por danos materiais e morais.

Sayure Mendonça, da SimBora Viagens e Turismo, de Campo Grande, é um reflexo claro desta situação.

"A pressão emocional foi tão grande que, em abril, meu corpo entrou em colapso. Precisei procurar ajuda médica, fui atendida no CAPS por duas vezes, diagnosticada com ansiedade severa e depressão profunda, chegando a cogitar tirar minha própria vida. Estava sem capital de giro, recém-iniciada no empreendedorismo, e completamente sem suporte da operadora, que deveria ser uma parceira."

Sayure Mendonça, da SimBora Viagens e Turismo, sobre crise com a ViagensPromo
Arquivo Pessoal
Sayure Mendonça
Sayure Mendonça

Sayure conta que teve mais de 24 contratos foram afetados, totalizando um prejuízo superior a R$ 60 mil devido ao cancelamento de hospedagens e serviços de transfer (aeroporto/hotel), por falta de pagamento da operadora aos fornecedores, mesmo com os pacotes pagos integralmente pelos passageiros.

"Os meses de março e abril foram os mais críticos. Eu havia acabado de completar um ano atuando de forma independente no modelo home office, e me vi diante de um caos: clientes sem acomodação ao chegar no destino, cobranças por reembolso, e nenhuma resposta concreta da Viagens Promo, que simplesmente sumiu com os valores pagos, não atendia ligações e ignorava e-mails de solicitação de reembolso", relembra.

"Estou prestando esse depoimento com o objetivo de alertar outros profissionais e consumidores, e também na esperança de que a justiça seja feita. Que ninguém mais precise passar pelo que eu e meus clientes enfrentamos", conclui.

"Tentativas de chargeback nunca foram respondidas"

Outra agente a se manifestar foi Flóris Chieregatti, da Vero Viagens, em São Paulo. Ela relata prejuízo de R$ 27 mil e diz nunca ter recebido retorno da ViagensPromo.

"As minhas duas tentativas de cartas de chargeback jamais foram respondidas e assinadas. Pagamentos à vista jamais foram tratados. Pelo contrário, quando cobrei o próprio Kido sobre uma reserva em Balneário Camboriú, recebi como resposta: "paga aí, estou em reunião'"

Flóris Chieregatti, da Vero Viagens, de São Paulo

Flóris também critica a postura da operadora nos processos judiciais. "São centenas de processos em que ele não consegue ser citado. Audiências são realizadas sem a presença de Renato Kido nem de sua equipe jurídica. Uma rápida consulta em andamento processual mostra a situação. E dizer em uma entrevista que 'a culpa é das agências'? Me desculpe, não é possível acreditar".

"Perdi minha agência e 27 anos de trabalho"

O impacto da crise também levou agências a encerrarem suas atividades. É o caso de Marcelo Souza, da MS Viagens e Turismo, de Itaúna (MG), que afirma ter perdido a empresa e deixado mais de 40 clientes sem as viagens contratadas. "A maioria efetuou pagamentos e não viajou. Em muitos casos, os cartões não efetivaram o chargeback; os boletos continuam em aberto e clientes chegaram a ser inscritos no Serasa", relatou.

Segundo Marcelo, a ViagensPromo jamais entrou em contato.

"As cartas enviadas não tiveram efeito, pois os bancos não reconhecem tais documentos. Os processos estão parados porque não se consegue notificar a empresa ou seu proprietário. Essa situação é uma grande injustiça e um desrespeito profundo a todos os profissionais e clientes envolvidos. Eu perdi minha empresa e os 27 anos de experiência que dediquei ao Turismo".

"O iPhone mais caro da minha vida"

Daniel Fischer, da GO Viagens, de Santa Rosa (RS), afirma que chegou a contabilizar um prejuízo inicial de R$ 700 mil, embora hoje estime perdas em torno de R$ 100 mil. "Foi o iPhone mais caro da minha vida", ironiza, referindo-se a campanhas em que a ViagensPromo dava smartphones da Apple a quem mais vendesse.

As mesmas vendas que lhe renderam o reconhecimento acabaram gerando o rombo financeiro, já que foi ele quem precisou arcar com os custos para que seus clientes não fossem prejudicados.

Reprodução/Redes Sociais
Daniel Fischer deixou de fazer viagens com sua família este ano para arcar com os prejuízos que teve com a operadora
Daniel Fischer deixou de fazer viagens com sua família este ano para arcar com os prejuízos que teve com a operadora

"No início, quando surgiram os primeiros casos de clientes não terem seus hotéis ou passagens arcados pela operadora, criei uma sala só para lidar com isso dentro da agência. Fiz todos os procedimentos de chargeback, mas quando conto com uma operadora, não deveria estar recorrendo a esse tipo de recurso"

Daniel Fischer, da GO Viagens, em Santa Rosa (RS)

Segundo Fischer, a ausência de orientação agravou a crise. "Se tivéssemos tido instruções claras, poderiam ter indicado os bancos que aceitariam essa transação com mais facilidade. Passei por um mês de desespero, cheguei a pensar em vender minha casa. Nenhum cliente deixou de viajar porque eu montei uma força-tarefa: negociei com hotéis, receptivos, usei vários cartões de crédito no meu nome. Fiz o que a ViagensPromo não fez".

Ele recorda que seu primeiro caso ocorreu com uma cliente que viajou para Natal, em 5 de março. Quando a passageira desembarcou e a reserva não havia sido paga. "Eu já acompanhava os problemas nos grupos de WhatsApp e estava preparado. Minha vendedora me ajudou, a cliente almoçou enquanto resolvíamos. A partir desse dia, passei a monitorar cada embarque futuro e assumi tudo para que ninguém fosse prejudicado. Mais de 150 passageiros seriam afetados se eu não tivesse feito isso".

Para o agente, o episódio expôs uma fragilidade estrutural do setor. "Tenho 13 anos de agência e vi que estamos totalmente desprotegidos. A operadora trabalha com o dinheiro das vendas sem pagar antecipadamente os fornecedores. No aéreo temos mais garantias, mas no terrestre ficamos à mercê".

Fischer finaliza com duas perguntas diretas a Renato Kido:

  1. E as parcelas de boletos Santander [banco com maior dificuldade para retonar os chargeback] já pagas e que o banco não devolve?
  2. E os pagamentos feitos à vista, ficam como?

"Bilhetes não emitidos, ausência de pagamentos"

Um leitor da PANROTAS que pediu para não ter seu nome citado temendo retaliações e para não prejudicar reembolsos relatou o seguinte caso:

"Tive uma compra feita em outubro de 2024, para uma viagem com embarque em abril de 2025. Quando o problema estourou, já haviam se passado os 90 dias mencionados pelo Nubank em sua resposta, ou seja, não havia mais possibilidades de solução via chargeback. Os clientes parcelaram em 12 vezes, mas adiantaram as parcelas. Assim, quando o problema ocorreu, a viagem já estava quitada no cartão, não restando parcelas futuras a serem estornadas para minimizar o prejuízo".

O pacote, segundo relata o leitor no depoimento, incluía aéreo, hospedagem e transfer com passeio. O agente conseguiu contato com os prestadores de serviços terrestres, que foram parceiros e mantiveram tarifas. Porém, o aéreo estava inviável, o que tornava inútil manter apenas o terrestre.

"Ao entrar em contato com a Latam, depois de várias ligações, atendimentos e pedidos, veio a surpresa: não havia reserva registrada. O localizador estava vazio, sem nomes, informações ou bilhetes", relembra.

"O máximo que encontraram vinculado ao código era apenas uma cotação para um passageiro, com anotações de queda de itinerário, bilhetes não emitidos, ausência de pagamentos e diminuição de assentos. Um localizador confuso, que nenhum atendente conseguia compreender", complementa.

Resultado: R$ 6 mil de prejuízo integral.

Discurso x realidade

Enquanto Renato Kido insiste que “acorda e dorme pensando em como solucionar os problemas” e que “os agentes dispostos a resolver estão conseguindo”, os depoimentos revelam um cenário bem diferente: de silêncio, ausência de suporte e falta de transparência. Para muitos agentes, as cartas de chargeback mencionadas não tiveram efeito prático, e os valores nunca foram ressarcidos.

Os prejuízos relatados, que chegam a centenas de milhares de reais, mostram que a crise da ViagensPromo deixou marcas profundas no setor. Além da perda financeira imediata, houve também desgaste de imagem, quebra de confiança e até o fechamento de agências.

O contraste entre as falas de Kido e a realidade vivida pelas agências expõe a dimensão do colapso. Enquanto o fundador da ViagensPromo fala em dedicação diária e compromisso com soluções, os profissionais que estiveram na linha de frente da crise afirmam que continuam arcando sozinhos com os custos e que, passados meses do colapso, as promessas de reparação seguem distantes de se concretizar.

Unav prefere não opinar

Procurada para se manifestar em relação ao caso da ViagensPromo, a União Nacional das Agências de Viagens (Unav), uma dos movimentos mais próximos da operadora, comunica que não tem nada a acrescentar no caso.

"Estamos muito focados agora em tentar ajudar as agências com visão de profissionalismo e negócios. O Unav360 é uma plataforma que estamos propondo para sinergia entre boas agências e trade do Turismo. E sermos cada vez mais fortes, com gestão e compliance",aponta.

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Sobre o autor

Integrante da equipe PANROTAS desde 2019, atua na cobertura de Turismo com olhar tanto para as tendências do mercado quanto para histórias que movimentam o setor. Formado em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo e também em Processos Fotográficos, formações que permitem colaborar de forma dupla com a redação - entre textos e imagens. Fora do trabalho, encontra inspiração no samba, no cinema, na literatura e nos esportes